Luiz Loureiro/Agência Primaz
O Procurador do Ministério Público Federal, José Adércio Leite Sampaio desmentiu, nesta nesta quinta-feira (12), que um Termo de Compromisso e Responsabilidade Socioambiental (TCRS) esteja prestes a ser assinado para desapropriação e tombamento das ruínas de Bento Rodrigues, para instalação de um “museu de território”. A declaração foi feita na noite desta quinta-feira (12), durante reunião realizada no Espaço Coliseu, em Mariana, com a participação de autoridades municipais, estaduais e federais, diante de muitos dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015.
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A reunião emergencial, inicialmente agendada para sexta-feira (13), foi realizada para esclarecimentos a respeito da divulgação de minuta de acordo, publicada pela Agência Pública no dia 10 de setembro, informando a intenção dos Ministérios Públicos Federal e Estadual de celebrar acordo com “as empresas responsáveis pelo desastre – Samarco, Vale, BHP Billiton –, a prefeitura de Mariana e o governo de Minas para desapropriar os imóveis do distrito mais devastado pela tragédia que completa quatro anos no próximo dia 5 de novembro”. (Clique aqui para acessar a matéria completa)
Não tem nenhum TAC assinado, não tem nenhum TAC a ser assinado. (…) Nenhum termo será celebrado que não tenha a participação de vocês [atingidos]. José Adércio, Procurador Federal
A reportagem da Agência Pública, “Proposta de desapropriação surpreende moradores de Mariana”, informava que a assinatura do termo estaria prevista para o dia 21 de setembro e trazia declarações de Mônica Santos, integrante da Comissão dos Atingidos de Bento Rodrigues, inconformada com o anúncio da desapropriação: “É uma segunda perda, e essa de uma forma pior porque, se ela vir a acontecer, a gente sabe que nunca mais vamos ter aquilo de volta. E a gente corre um sério risco de nem poder frequentar lá mais como hoje. Pra mim está sendo até uma sensação pior do que o próprio dia do rompimento”. Além disso a reportagem remetia para um link de acesso a um documento, possivelmente elaborado pelo Ministério Público Federal e pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural de Turístico (Ministério Público do Estado de Minas Gerais), com amplo detalhamento do processo de desapropriação, desenvolvimento de estudos e projetos, bem como das obrigações das entidades envolvidas (Prefeitura de Mariana e mineradoras) para implantação do Museu de Território (ou Museu de Memória Sensível) em Bento Rodrigues. (Clique aqui para acessar o documento)
Em sua manifestação, Dr. José Adércio classificou como “ruído” a divulgação da matéria e do documento, enfatizando que não participou de nenhuma reunião em que tenha sido discutido prazo para assinatura de qualquer tipo de termo de ajustamento de conduta. “Houve sim o esforço de uma colega do MP [Ministério Público] de Minas, no sentido de se tentar aproveitar o momento que estamos vivendo para colocar a Samarco contra a parede, e dizer: você tem que garantir, no espaço de Bento, um espaço que mostre para a presente e para as vindouras gerações, a tragédia que você, Samarco, cometeu”, afirmou o procurador federal.
Dique S4
Além da desapropriação dos terrenos do distrito de Bento Rodrigues, um aspecto que causa grande preocupação aos atingidos é a questão do descomissionamento do dique S4, construído emergencialmente em 2016 para contenção de rejeitos que poderiam impactar ainda mais a bacia do Rio Doce. Autorizado pelo Decreto 500, de 21/09/2016, o dique provocou o alagamento de várias propriedades particulares em Bento Rodrigues. Na prática, o decreto do então governador Fernando Pimentel estabeleceu uma “requisição administrativa” de 55 propriedades, mediante a possibilidade de posse temporária, sem desapropriação, com pagamento de indenização pelo uso por três anos.
A grande questão levantada pelos atingidos é que a autorização de construção do dique S4 previa o descomissionamento (retirada dos rejeitos, demolição do dique e revitalização do local) em três anos, prazo que termina no dia 21 de setembro. Procurador do Estado de Minas Gerais, com atuação junto à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Dr. Adriano Brandão afirmou, durante a reunião desta quinta-feira (12), que a “requisição administrativa” não será renovada, mas não detalhou os mecanismos à disposição do Estado para garantir o descomissionamento ou punir a empresa.
Também participando da reunião, o Diretor-Presidente da Aecom do Brasil, Vicente Mello, fez um relato da atuação de sua empresa como assessora do Ministério Público, abordou os aspectos relacionados à segurança das estruturas de contenção de rejeitos da Samarco e detalhou as opções de descomissionamento total ou parcial do dique S4. Elogiando o trabalho da Aecom e a ajuda prestada pela empresa ao Ministério Público Federal e Estadual, Dr. José Adércio disse que a auditoria das estruturas da Samarco “dá uma garantia de que nós não teremos uma tragédia dentro da tragédia”. “Eu diria para os senhores, como eu diria para minha filha: Eu não fico debaixo dessa barragem, nem a jusante dessa barragem, de jeito nenhum!”, acrescentou, ressaltando o aspecto relativo do conceito de segurança.
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Tombamento de Bento Rodrigues
Presente à reunião como representante do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAT), o Dr. Bernardo Campomizzi Machado declarou que o órgão recebeu, na terça-feira (10), o dossiê de tombamento de Bento Rodrigues elaborado pelo ICOMOS (sigla que identifica, em inglês, o Conselho Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, “International Council of Monuments and Sites”). Afirmou que o COMPAT dará prosseguimento aos trabalhos para definição de como se dará o uso do território do distrito de Bento Rodrigues e que o tombamento provisório, aprovado na reunião realizada em 04/02/2016, estabeleceu diretrizes gerais para proteger o território de qualquer investida de outras entidades, ressaltando que compete ao conselho a deliberação sobre como será esse tombamento. “Todo esse processo será participativo com os atingidos. Utilizaremos, sem dúvida nenhuma, o dossiê elaborado pelo ICOMOS, mas o conselho não tem a obrigação de seguir as diretrizes estabelecidas nesse dossiê”, esclareceu Bernardo Machado, lembrando que outras questões são prioritárias, entre elas a reparação civil, o fato de que Bento Rodrigues está na área de auto-salvamento das estruturas de contenção da Samarco e que os órgãos competente têm a obrigação de dar encaminhamento ao descomissionamento, tanto de Germano quanto do dique S4.
Samantha de Oliveira Nery, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável (Escola de Arquitetura da UFMG) e integrante do ICOMOS, fez pronunciamento a respeito do trabalho realizado e a leitura de nota assinada pelo Prof. Leonardo Barci Casttriota. No texto, traduzindo a posição do ICOMOS, o coordenador da pesquisa ressalta que o dossiê propõe o tombamento do sítio de Bento Rodrigues, “respeitados os valores e significados da comunidade atingida, (..) no intuito de constituir-se um Sítio de Consciência, que atue como uma lembrança e um alerta para que a atividade minerária no Brasil assuma novas posturas responsivas que coloquem acima de qualquer propósito o respeito às populações locais e ao meio ambiente onde atuam”. Destaca ainda que “uma das diretrizes de gestão e intervenção do referido Dossiê propõe a criação de um Museu de Território em Bento Rodrigues, bem como a construção de um memorial da tragédia, junto a esse museu, (…) necessariamente comunitário”, afirmando que o tombamento não é obrigatoriamente vinculado à desapropriação. “Pelo contrário, ao criar um regime de corresponsabilidade entre os proprietários e o Estado, o tombamento possibilita arranjos complexos para a gestão dos bens tombados”, ressalta a nota.
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Prefeitura de Mariana
Conduzida pelo Dr. Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça de Mariana, a reunião contou também com a presença, no início, do vice-prefeito de Mariana, Newton Godoy. No decorrer das discussões o Prefeito Duarte Júnior compareceu ao evento, desculpando-se pelo atraso devido a compromisso em outra cidade e respondeu a questionamentos dos atingidos em relação à posição da administração municipal. Duarte negou ter se reunido com a Samarco ou ter sido procurado por ela para discutir o assunto. “Não iremos tomar nenhum tipo de decisão ouvindo a empresa Samarco. Iremos sim, tomar decisões ouvindo o Ministério Público, ouvindo órgãos do Estado e, principalmente, como bem disse o Dr. José Adércio, ouvindo os atingidos, decidir o que fazer e buscar, sim, a melhor solução”, declarou o prefeito.
No encerramento do encontro, o promotor Guilherme Meneghin reafirmou a disposição das autoridades em ouvir os atingidos, considerando ter sido a reunião uma excelente oportunidade para que os envolvidos expusessem suas reclamações, considerações e críticas. “Podem ter certeza, nós vamos caminhar daqui pra frente para a construção de uma solução melhor possível”, finalizou o promotor.