Cartas pra Mãe: a Copa América no Brasil é um grande deboche
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
Compartilhe:
Mãe,
A senhora sabe que eu amo futebol, né? Sempre gostei de jogar e de assistir, mas custei a entender que futebol é muito mais que um jogo. Mas muito mesmo, Mãe.
Quando a Marta recebe seus balões de ouro, a senhora acha que é “só” futebol? Quando pintamos as ruas para a Copa e acordávamos de madrugada pra ver o Ronaldinho em 2002, era só futebol?
Ou quando a senhora insistia em me deixar ir com o uniforme completo da seleção para a escola, mesmo sendo “coisa de menino”, era só futebol? Não era. Nunca foi.
Não é por acaso que as eleições no Brasil acontecem em ano de Copa do Mundo. E não é por acaso que, depois de outros países recusarem, o desgoverno brasileiro tenha aceitado sediar a Copa América daqui a uma semana.
Não digo que seja “pão e circo”, Mãe. Porque o pão já está escasso e caro. Mas o circo, ah, esse sim! Um inesgotável e abominável circo de horrores…
Não pense que eu não estava ansiosa para a Copa América. A senhora me conhece, não vou mentir. Eu queria assistir aos jogadores sul-americanos, mesmo que não me identifique em nada com as grandes figuras, principalmente a nossa, entre quedas e apelações.
Mas sediar um evento, recebendo pessoas de outros nove países, é algo que o Brasil pode fazer neste momento? Ou é mais uma decisão deplorável de políticos que sentem prazer em debochar do seu povo?
Sim, a Copa América no Brasil é um grande deboche. É cutucar a ferida. É abrir esse bocão enorme para seguir pronunciando palavras torpes. É, talvez, uma tentativa de desviar o foco de CPIs e protestos.
O Chico já cantava, anos atrás: “aqui na terra estão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock n’roll. Uns dias chove e noutros dias bate sol… Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá” feia*.
Enquanto a bola rola e a gente grita, tem muito dinheiro no bastidor. Muita podridão. Muita dor.
E a gente vai levando de teimoso e de pirraça, né, Mãe? Até quando vamos segurar esse rojão?
* Alterada a letra original.