Enamorado Amor
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
Compartilhe:
Devido a problemas técnicos, excepcionalmente hoje, deixamos de publicar o áudio desta coluna.
Para J. B. Donadon-Leal
Quem disse que amor é metáfora de felicidade e grandiosidade? Tantos poetas cantaram o amor pleno, fulgurante, trágico ou intenso de tempos idos, que meu canto se faz necessário, real e na mesmice de sempre: simplicidade. É que o amor não é receituário de culinária, medicamentoso, matemático, estapafúrdio, literário, saudosista (feito os amores impossíveis dos romances ou novelas); é química atemporal-sentimental. Amor não evolui feito calendário infalível, relógio de parede ou tiro à mão armada; ainda que algum flechoso anjo-mentiroso arremesse sua lança fatal. Amor é corrente elétrica e profunda que enche o corpo de arrepios e sensações indecifráveis pela razão. É impulso e pulso impregnado de energia; nutre a ânsia de respirar e de viver mais e mais. É um doce afago para a alma se soltar e sorrir, num doce abraço caloroso. Razão que tenho é que nada sou sem esse amor baldio, intenso, simples, real, possível que aquece e plenifica minha vida de sentidos. Sobre o amor não tenho argumentos sustentáveis, para publicar teses ou artigos em periódicos ou livros. Ao amor tenho orações elogiosas respeitáveis e suspeitáveis. Sou suspeita, além da medida, para falar do amor e do ser enamorado. Namorado é parente de primeira instância da possibilidade de passear nas ruas, beber até perder o equilíbrio, assistir a filmes, voltar a ser criança (adolescente ou adulto), se esparramar no tapete de casa, comer pipoca ou brigadeiro até o estômago dar voltas, viajar ou ficar horas planejando o futuro… Das fantasias dos amores incontroláveis e impossíveis, só quero a pulsão das estórias, que me levam às emoções que a literatura possibilita perante a impossibilidade cotidiana. Amor de novela é falível, sintético, plástico, irreal e resistível. Amor de vida é facto, infalível, inquebrantável; tem duração de longo prazo. Se evoluir, segue pro resto da vida, feito aquele amor de cinquenta, sessenta, setenta anos; bodas de aço mesmo. Disseram tanto do amor que ele se solidificou feito ferro, rocha, pedra, erva daninha. Não se esvai, não se desmancha, não se descola, nem se evapora no ar. Do meu coração amado, sinto pontadas de sinos que giram e plangem minhas correntes sanguíneas. Amor, sei desde menina, nunca foi metáfora de vida, não é substitutivo, é fragmento, é contíguo, aditivo, que se junta, em união de dois seres que se somam. O amor pode ser metonímia, se os olhos brilhosos se marejarem de encantamento nos desencantamentos da vida. Amor não se queda à efetiva aparência de rostos e corpos (ainda que digam que a aparência é cartão-postal da atração!); amor queda-se pelos mistérios de almas livres e simples. Amor não se queda à ação corrosiva da pele e a temperos desmedidos do ego; convive e se eleva com as marcas e estultices do caminho. Amor não se queda a cabelos brancos, ralos, às manchas e rugas da pele; nem às rusgas das relações nem às dificuldades da lida. Não sei tecer voos rasantes ou usar maquiagens para descrever o amor. Amor, até “que a morte os separe “, não se queda nem à finitude, transforma-se em saudades intensas e eternas. Amor não se queda a momentos tortuosos, às passadas de pés, às tormentas e maremotos; não se queda e não se queda! Quando o amor acontece, lume de olhos queda-se fluorescente, batidas de coração quedam-se no ritmo de águas de tranquilas a tempestuosas num lapso de tempo, mãos quedam-se macias, ásperas, quentes ou frias; palavras quedam-se como sinfonias; seres amados, um a um, cantam em vozes resplandecentes. Quando o amor acontece, o pulso da vida se refaz, pleno, vivo e límpido; cola pelo encantamento e depois que cola é feito erva daninha em terreno baldio: cresce, cresce, cresce e nunca fenece!