Cartas pra Mãe: O escândalo vai virar nossa rotina?
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Mãe,
O que a senhora faz com cinco reais?
Compra uns seis pães de sal. Um chocolate miúdo. Um pão de queijo. Um cafezinho de rodoviária. Talvez um açaí, mas bem pequeno. Um quilo de arroz, se tiver sorte. Pro feijão num dá.
Cinco reais parece pouco, não é, Mãe? E é. Num país com gente que se queima tentando cozinhar com álcool porque não tem dinheiro para o gás de cozinha. Num país com gente que morre de frio. Gente que pede, gente que ignora.
O dólar hoje está pouco mais de cinco reais. Parece pouco, repito. Agora multiplica aí esses cinco reais por 200 milhões. E dobra o resultado. É zero demais até pra falar, né? Dois bilhões, se não errei a conta. BILHÕES.
É isso que eles ganhariam pra comprar vacinas, Mãe. É por isso que teriam esperado tanto pra ler e-mails da Pfizer. É por isso que se vestem de negacionistas. Fingem (ou não) de burros, pra embolsarem cifras absurdas. Enquanto o país morre de fome. E do vírus.
Eles negociam a vida da gente, Mãe. Negociam os hospitais lotados. A falta de ar. A vontade doída de abraçar sem poder. Escandaloso, como tudo o que acontece desde que insistiram em apertar 17.
Por muito menos, outros governos teriam sido afastados. E foram. Por muito menos, as manchetes ecoaram acusações. Por muito menos que meio milhão de vidas, vidas nossas, de gente nossa, gente daqui.
O que vai acontecer, hein, Mãe? O escândalo vai virar nossa rotina? Capaz, penso eu, que se fosse um apê no Guarujá a história era outra. Mas são apenas vidas.