Cartas pra Mãe: Ainda é preciso estar “atento e forte”
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Mãe,
Todos os anos, no dia 24 de março, acontece na Argentina o “Dia da Memória”. É um dia muito importante: as pessoas vão para as ruas em peso para gritar que ainda se lembram da ditadura argentina e suas atrocidades. Que ainda estão na luta. Que a democracia não está aberta a negociações.
Confesso que já cheguei a pensar que os argentinos são um pouco exagerados, meio paranoicos, talvez. Qual a necessidade de lutar assim pela democracia depois de tanto tempo? Por que falar sempre em ditadura? Depois, entendi. Me equivoquei feio. Todos nós nos equivocamos, desconfio.
Minha geração, a galera dos 90 pra cá, cresceu na democracia. Escutamos, sim, falar sobre a dita-cuja na escola. Mas, como tudo que já passou, lemos aquilo sem entender, de fato, os absurdos e o terror daqueles 21 anos.
A verdade é que foi só na universidade que entendi realmente o que foi a ditadura. Mas com aquele alívio de ter nascido anos depois. Certa de que a democracia já estava garantida para nós, que conhecemos muito mais a versão romântica do Chico e do Caetano.
Mãe, é uma baldada de água fria ter que admitir que erramos. Que a nossa democracia está ainda engatinhando, frágil e equilibrista. Que nada está garantido para nós e nossa geração superconectada.
2016 foi o começo de um período que, talvez, dormia. O tal “gigante que acordou” aceita homenagens a torturadores. Aceita ameaças implícitas e explícitas àquilo que demos como certo. Aceita tantos e tantos absurdos, que revivem memórias do que lemos, ouvimos e assistimos como história.
Mãe, não esquece.
Ainda é preciso estar “atento e forte”. Pode até ser que muitos de nós desconheçamos o como era antes, o que foi e o que não foi. Mas a história nos diz como será o depois, se baixarmos a guarda.
Não podemos nos dar ao luxo de esquecer nem por um minuto. Há que lembrar e contar a quem chegou depois de nós. É preciso começar tudo de novo, uma e outra vez, uma e outra vez. Todos os dias. Porque a Roda Viva vem aí.