Michel Foucault, educação e a liberdade dos corpos!
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Quando falamos em educação contemporânea vem logo em nossa cabeça a instância da escola como instituição total para a formação da cidadania e civilidade.
Mas não é a única. A educação tem amplos sentidos e a família, a comunidade, as religiões têm influência estruturante na formação moral do indivíduo moderno e na promoção das relações civilizadas. Mas o lugar da escola é diferente dos espaços religiosos e familiares, a escola tem o papel da formação para uma ética relacional tendo como princípio a promoção dos direitos humanos.
Penso que somos todos responsáveis pela educação para a cidadania. Mas a escola ainda é a instituição construída por esta sociedade para assumir o ideal de educar para formar sujeitos capazes de promover conhecimentos e o aprimoramento da qualidade de vida. Mas a escola não é neutra assim como não há neutralidade política frente a uma posição que seja mais libertária e comprometida com a diversidade em todos os sentidos capazes de garantir a amplitude dos direitos humanos.
Mas a pergunta que não quer calar está subjacente a essa que você me faz: qual o papel da escola neste cenário onde se agrava desigualdades no campo racial, sexual, classista e sexista em que a violência banaliza a vida?
Cabe contextualizar, a partir da influência da mídia, da internet e seus efeitos em nosso cotidiano, o quanto passamos a trilhar um caminho sem volta, envolvidos em redes sociais onde o “eu” e o “outro” estão interligados em contextos, espaços e territórios virtuais, que influenciam e transformam nossas identidades o tempo todo.
Neste contexto, há perdas e ganhos. O meu “eu”, ou seja, o que exponho de “mim” não é mais unificado, possui múltiplas possibilidades de ação no espaço social, público e privado são questões sem fronteiras.
Para cada território onde “me” coloco se dá um novo sentido de “mim”, cada vez mais multifacetado com identidades que possibilitam aprimorar o que esse “eu” tem de melhor para ser aceito, compartilhado e elogiado pelo grupo de convivência, que venha massagear o ego e interesses cada vez mais individualistas. Mas essa conjuntura também expõe que esse meu “eu” tem muito de destrutivo.
Há um contexto em que passa ter prazer no espetáculo perverso da perseguição e humilhação do “outro” principalmente aquele diferente de “mim”. Pela diferença da cor da pele, nacionalidade, posição econômica, orientação sexual, religião, local de moradia, corpo (gordo, magro, alto, baixo), o pior é que esta sociedade do espetáculo, perversa e segregadora parece se consolidar neste Século XXI, como sentido de verdade. Neste contexto, a escola espelha o que é a sociedade, território de todas estas contradições que estão sendo percebidas e vividas no cotidiano.
Segundo Zygmunt Bauman, tudo tem certa liquidez e nada mais está seguro. Assim, na sociedade contemporânea o individualismo, a hipervalorização do “meu ego”, a fluidez e a efemeridade das relações se caracterizam. Então cabe indagar, até que ponto nós estamos no contexto da contemporaneidade mais livres, mais civilizados, mais comprometidos com a diversidade, com a tolerância e com as diferenças? Lamentavelmente, o que se percebe é que nós não estamos. Parece que o Século XXI, nos afoga em muitos retrocessos e perdas de direitos, cujos parâmetros se sustentam como efeitos de verdade que funcionam como norma e tem a eficácia de construir sujeitos cada vez mais submissos, política e economicamente. Cada vez mais corpos dóceis, disciplinados, subjugados a certo tipo de norma reproduzem os efeitos simbólicos de uma doutrina ideológica ditada pelo mercado de consumo.
Então, o desafio da educação que se explicita na contemporaneidade é imenso. Expõe a urgência de se reverter o que durante séculos se acreditou ser o caminho da verdade: buscar transformar multidões confusas, inúteis, perigosas ou subversivas em uma massa organizada e controlada em prol do ideal de sociedade disciplinar e de controle sob a égide do livre capital. Parece que essa sociedade, que está em nós, que somos nós, está trilhando um caminho que se constituiu para domesticar a diversidade, impor uma ordem e o sentido de normalidade, a partir de parâmetros que impõem a hegemonia do homem branco, de camadas médias, heterossexual. Heterossexuais assexuados!
Essa sociedade em que estamos inseridos nela, hoje, foi construída para incidir sobre os corpos. Para os corpos toda uma força e poder de controle, mais do que sobre a terra e seus produtos. O corpo vem sendo administrado pela hegemonia da dominação masculina e manutenção da produção capitalista.
Como nos ensinou Michel Foucault, é preciso normatizar os corpos, neutralizá-lo de qualquer forma de subversão, enquadrá-lo na heterossexualidade, na prática sexual reprodutiva e nos papéis de gênero, para assim, exercer o controle de maneira contínua e pela vigilância. Isso produzirá corpos docéis e economicamente menos custosos para o sistema hegemônico. De todo modo, difícil fazer uma avaliação sobre os desafios da educação na contemporaneidade, as consequências dessa sociedade do controle e da disciplina e os sentidos produzidos por ela, que aponta para a construção de sujeitos sob efeitos de valores próprios da barbárie, que desqualificam o “outro” diferente!
Ainda não aprendemos nada! Esqueça Foucault, esqueça tudo, viva um pouco o mínimo que você possa ser “algo seu”, abra um vinho barato e coloque um vinil do Jesus & Mary Chain, passado o “porre self”, você escreverá um livro e fundará sua igreja líquida, como Bauman queria, e refute todos sempre, com ou sem motivos aparentes, nunca se aproxime de seus parentes, eles estragam a nossa “intoxicação intelectual”, e nos torna uma água rasa e ácida de Foucault.