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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Aldravia: a via poética brasileira

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Minas Gerais é terra que respira arte. Ainda no período da colonização portuguesa, teve destaque no cenário político, social, econômico e cultural, sendo berço de ilustres pensadores e artistas. Vila do Carmo e sua irmã Vila Rica despontaram, nos séculos XVII e XVIII, construindo um patrimônio material e imaterial de valores imensuráveis. Não é exagero afirmar que são protagonistas no processo da formação da história e da arte brasileira, incluindo nesta última, a nossa literatura. 

Se entendemos que a nossa cultura teve, claramente, influências estrangeiras, sobretudo da portuguesa, do século XVI a meados do século XIX, é importante considerar também que nesse processo fomos nos constituindo como povo. Assim, o nosso Barroco não é mera cópia estrangeira, como também o nosso Arcadismo. É preciso saudar os diversos mestres que assinaram seus nomes na história brasileira, tais como Aleijadinho, Manuel da Costa Ataíde, Cláudio Manuel da Costa, Frei Santa Rita Durão e Tomaz Antônio Gonzaga, por exemplo. Vale também pensar na contribuição de tantos outros nomes que não figuram nos livros de História. Nomes que o tempo vai apagando, deixando esquecidos num canto dos nossos monumentos e em arquivos pouco estudados, à espera de um olhar curioso, pois há sempre a possibilidade de descobrir mais um filho ilustre da terra. 

A História caminha. Vila do Carmo é elevada à cidade e passa a ser chamada Mariana. A poucos quilômetros, a sua irmã Vila Rica é registrada Ouro Preto. Novos filhos ilustres, agora, simbolistas. Imerso nas brumas do interior das Minas Gerais, o ouro-pretano Alphonsus de Guimaraens escolheu Mariana para a sua última casa. Fez amizade com o inquieto José Severiano de Rezende, o marianense que se exilou na França, poeta ainda a ser verdadeiramente descoberto. Vira o século, a industrialização se desponta e encanta a juventude. A tradição centenária permanece forte nas telas, nos entalhes em madeira e na cultura popular. Os jovens modernistas, visionários, quebram paradigmas. Minas aceita o diálogo. Suas ruas centenárias olham para o passado, mas encaram também o futuro. Minas caminha barroca, árcade, simbolista e decide propor, no século XXI, uma nova via. Audaciosa? Sim. Audácia acolhedora, porque não traz consigo a prepotência de quem precisa se afirmar a partir da negação do passado. Não é essa a proposta, já que Minas é múltipla, diversa. É audaciosa, sobretudo por apostar no leitor. É justamente por isso que se faz também acolhedora. Nesse sentido, não poderia mesmo ter escolhido outro símbolo que não fosse a aldrava. E é interessante pensar na escolha inteligente por essa ferramenta, considerando a sua presença nas portas centenárias e, ao mesmo tempo, o convite para a novidade. 

A partir dessa imagem, é possível dizer que Mariana pediu licença, convidando as pessoas a abrir as portas para um novo caminho nas artes. E inspirada na concepção de Ezra Pound, propôs a experiência poética de fazer poesia com o mínimo de palavras. A aldravia, portanto, é a via poética brasileira que trabalha majestosamente a linguagem num processo de interação ativa com o leitor. São seis versos univocabulares, em minúsculas, sem pontuação, evitando artigos e preposições. A intenção é evitar qualquer tipo de amarras. E se amarrar significa dar nós, para a poesia isso pode significar a limitação de sentidos. O contraponto, então, é a nova via, ou seja, a sugestão através de recursos metonímicos. Neste ponto o leitor passa a não ser visto apenas como receptor, porque interage ativamente ao propor novos sentidos ao texto. 

Essa nova forma poética, gestada na Primaz de Minas, tem como fundadores Andreia Donadon Leal, José Benedito Donadon Leal, Hebe Rôla Santos, Gabriel Bicalho e J. S. Ferreira. Esses intelectuais deram um passo fundamental no cenário das artes ao propor o Movimento Aldravista, que vem, ao longo de mais de uma década, expandindo-se também através das artes plásticas, pelas mãos talentosas da Andreia Donadon. A artista é a responsável pela criação do nome aldravia, que intitula a nova poesia brasileira. 

A poesia que se adequa ao tempo ágil e provocativo:

pedra
que
pariu
a
desumana
indiferença
(Gabriel Bicalho)

O desejo de expressar o máximo quase em silêncio:

aldravia
poetar
mundo
em
seis
palavras
(Andreia Donadon)

O erotismo sugerido na sutileza de versos metonímicos:

morangos
passeiam
sob
blusa
de 
algodão
(J. B. Donadon Leal)

A inquietação do sujeito na pós-modernidade:

quando
folhas
farfalham
nossas
ideias
vazias
(J. S. Ferreira) 

A cena poética de cotidianos diluídos:

café
medroso
clarividência
marianenses
em
inconfidências
(Hebe Rôla) 

A aldravia ligeira, provocativa, múltipla, que se expande e floresce em novas vias, ao gosto do que a arte deve ser: livre.

 
Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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