Cartas pra Mãe – entender que viramos cor
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Mãe,
A chegada da primavera é um dia de festa na Argentina: tem espetáculo na praça, palhaço, pipoca, show e comilança.
No dia 21, enquanto as pessoas celebravam a vinda da nova estação, me sentei perto de dois meninos que acompanhavam pela janela do ônibus o vai e vem nas ruas.
Reparavam nas roupas, nos skates e nas fantasias dos malabaristas em frente à catedral. Quando os palhaços soltaram fogos de artifício, os dois se calaram por um segundo, enquanto tentavam enxergar no céu aquela festa de cores.
De repente, como num estalo, um deles deu um pulo da cadeira do ônibus e disse pro amigo:
– Eu tenho uma história MUITO legal com foguetes!
– Qual?
– No dia em que meu pai foi embora para nunca mais voltar, a minha mãe me contou um segredo sobre foguetes.
– O seu pai foi embora pra nunca mais voltar? – Perguntou o amigo, encucado.
– Sim!!
– E o que tem de legal nessa história?
– É que a minha mãe me explicou que todo mundo que vai embora pra nunca mais voltar vira foguete!
– Vira foguete???
– Vira! Vira uma explosão de todas as cores e pode viajar no céu, pulando de nuvem em nuvem, até formar uma estrela!
– O seu pai agora é uma estrela?
– É. Mas, primeiro, ele virou foguete… Só depois virou estrela. De vez em quando, ele vira foguete de novo, acho.
– É muito melhor ser estrela! Por que ele vira foguete?
– A minha mãe disse que toda vez que tem foguete no céu é o meu pai que quis chegar mais perto pra me ver!
– Uau!
Os dois meninos ficaram calados por um tempo. Eu já estava quase descendo do ônibus, quando escutei:
– O seu pai é um foguete… O meu tem bigode!
Então, Mãe, depois de dias (ou quase dois anos?) pensando no destino daqueles que se vão, pelo descaso de quem deveria se importar ou pelo tempo que insiste em passar rápido demais, a pureza de duas crianças mostrou que absolutamente tudo tem um propósito: até pegar o ônibus errado pra entender que viramos cor. Ou foguete.