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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Cor de pele

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Entre os braços da mãe e do pai, sentia o abrigo de um amor que nunca poderia mensurar. Misturava-se a eles com a sensação de liberdade ao caminhar com o ar batendo em seus cabelos, em sua pele, vendo que era muito semelhante àquelas duas pessoas que seguravam suas mãos. Uma gangorra. “Um, dois e… três!” Os pais entoavam uma cantiga com aqueles números e lançavam o menino para cima. Uma gangorra.
Reparava as pessoas. Muitas vezes, achava que elas todas se pareciam. Uma aparência que, tempos depois, decifrou de forma contundente. No seu coração infantil, era absolutamente natural amar. Por isso mesmo, encontrava semelhança nas pessoas, sobretudo, quando elas estavam sorrindo. O mundo era assim: uma ciranda perfeita, num movimento contínuo. Harmônico. Na sua cabeça infantil, o universo era seguro e dividido entre a casa e os passeios que fazia, com muita gente feliz.
O primeiro dia de ir para a escola foi uma grande festa. O uniforme. A lancheira. A mochila. Cada objeto devidamente organizado para a sua estreia. Não passou pela fase das mordidas e dos choros contínuos. Entrou na escola depois das fraldas. Ia para o encontro com os colegas e a professora como qualquer criança. A cabeça de menino nas nuvens fofinhas como algodão que esperavam as diversas cores dos lápis, tintas e giz-de-cera. Era deliciosamente apaixonante misturar-se a tantas luzes diferentes que saíam da confluência daquelas cores. E via a sua pele, ao final do dia, toda salpicada de brilhos infinitos. “Mãe, veja como estou colorido!”, e ela o abraçava como se fosse para sempre.
Tudo seguindo. O mundo multicor. Até o dia de não entender bem a pergunta feita no grupo da sala. Com o passar do tempo, observava que ela encolhia. O espaço mudava. Carteiras mais estreitas. As tintas já não faziam as tardes felizes como antes. Do lápis, via o grafite repetindo letras e números em páginas vazias. Somente em determinadas ocasiões, o estojo preferido era aberto. E num dia assim, de grande expectativa, foi pedido colorir o desenho com a cor que ele mais gostava. A vontade do arco íris esmoreceu bem rápido. Olhou novamente para o estojo e pegou o lápis que tinha uma tonalidade forte e vibrante. Fez o contorno, seguindo, cuidadosamente, as linhas. Começou a preencher os espaços vazios. Certificou-se de cada detalhe. Fez retoques. Por fim, entregou o trabalho para ser exposto na sala. Não entendeu o olhar que recebeu. Uma interrogação no semblante de quem deveria sorrir para ele. Havia realizado um bom trabalho. “O que teria acontecido?”, pensou. Mas viu o sorriso surgir para os que estavam em seu entorno, mesmo alguns deles distribuídos com pouca emoção.
Embora retornasse para casa pensando sobre a tarde ruim, acreditava que teria outra oportunidade. Faria um desenho melhor. Talvez o traçado não tivesse ficado bem marcado. Lembrava dos conselhos da mãe ponderando sobre resultados que nem sempre são positivos. E, no dia seguinte, ciente, portanto, do novo dia, descobriu o seu desenho colado na parte mais inferior do painel da sala. Seus olhos se encobriram de nuvens. A classe anoiteceu. Desejou a casa. Porém, havia mais uma etapa de comemorações na escola. Receberiam as famílias para uma grande exposição. Não ouviu bem as instruções, mas estava decidido a fazer tudo muito bem. Foi colocado junto de um grupo para o início da tarefa. “Pegue o lápis cor de pele.”, alguém deu a instrução. Ficou feliz ao entender que representaria a si mesmo com a família. Lembrou do dia da gangorra. Com os olhos fechados, preencheu todo o espaço da folha, mas alguém havia pedido o lápis cor de pele. Continuou concentrado nas suas lembranças. Estava tudo tão lindo. Era o amor representado em cada linha.
Então, depois de contemplar o que havia feito, fechou os olhos mais uma vez e deu um gostoso e longo suspiro. Sabia que seus pais ficariam orgulhosos dele. Sentiu a felicidade transbordar. No entanto, foi surpreendido com estrondosa gargalhada. Seu desenho passava de mão em mão. Ainda atordoado, tentava driblar cada colega, com muito medo de que a folha fosse amassada. E uma voz cortante gritou: “Pintou tudo de preto!”
Já não conseguia mais distinguir as vozes. Viu que alguém brincava com um lápis de cor opaca. Fez um esforço enorme para que seus olhos não neblinassem. O rosto ardia. Se pudesse explicar o que experimentava naquele instante, usaria a cor da brasa.
Sem saber por que, parou.
Olhou cada um deles. Pela primeira vez, viu a mistura da indiferença e do desprezo. E entendendo, parcialmente, a razão de seu desenho do dia anterior ter ficado no canto escondido da sala, chorou.
Por algum motivo, as pessoas não eram iguais.

 

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Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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