Vingança & Castigo
Vingança & Castigo é um Western que subverte e revista com muito estilo um dos gêneros mais consolidados do cinema.
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
Compartilhe:
Há muito tempo se fala que o faroeste morreu. Mesmo em tempos nas quais filmes como Django Livre, Os 8 Odiados e Balada de Buster Scruggs — para ficar em três exemplos — mostraram a força do gênero no século XXI, muita gente acredita que o Western é coisa do passado. Vingança & Castigo entra nesse grupo e de uma forma incrivelmente ressignificada.
O faroeste é o gênero mais puramente estadunidense que se tem notícia. Essa ida ao oeste distante (o Far West) em busca do ouro é algo primordial nas histórias dos EUA, mesmo que outros países tenham se apropriado dessa estética.
Então, é intrínseco entender que essa história é severamente colonialista e escravagista. O filme de estreia de Jeymes Samuel subverte isso completamente. A começar por usar, quase totalmente atores negros.
Não são quaisquer atores e atrizes. É um elenco de peso em nomes como Idris Elba, Regina King, Jonatas Majors e Lakeith Stanfield. Se engana que a força está, apenas, nesses nomes — ainda que bastasse.
Atores que trazem à cena personagens que talvez poucos conhecem, mas que existiram de fato. Se Billy The Kid, Wild Bill Hickok, Butch Cassidy, Sundance Kid, Jesse James e Wyatt Earp são nomes celebrados e presente no imaginário dos EUA e de fãs de faroeste, aqui outros nomes ganham a atenção, como Rufus Buck, Nat Love, Cherokee Bill, Trudy Smith e Stagecoach Mary.
Ainda assim, o filme lembra, já no início, que a obra não é baseada em fatos reais, por mais que esses personagens negros e raramente explorados no romantismo do faroeste tenham de fato existidos. Mais um pontaço de Vingança & Castigo.
Jeymes Samuel parece saber muito bem o que faz para alguém que estreia na direção. Seu estilo, muito embora embebido de Quentin Tarantino e, por que não, Spike Lee, é cheio de personalidade, com cores vibrantes e cenas para fã nenhum de Tarantino colocar defeito.
Com o elenco totalmente negro, é claro que haveria espaço para debater o racismo, mas Vingança & Castigo não necessariamente faz isso descaradamente. O subtexto é muito mais eficiente, nesse sentido, do que o próprio roteiro.
Os brancos aqui são figurantes e quando colocados em ação, descartados como se eles não fossem necessariamente importantes — e no filme não são. Não é uma reparação histórica, mas o filme não pede e não dá espaço para isso.
A história é um clássico mote western: vingança. Talvez um pouco clichê, mas que não seja verdadeiramente um problema. Para isso existem os tiroteios, os assaltos em bancos, duelos, o pôr do sol… Se algo falta nos faroestes clássicos, seria a trilha, desde as orquestradas dos faroestes americanos ou as inspiradas em Ennio Morricone como muitos fizeram pela Europa.
Mas, aqui, há espaço para o Hip Hop e até reggae. Mais uma vez, emula-se Tarantino em Django Livre, mas o diretor aqui mais do que colocar músicas da cena negra americana, fazendo referências até mesmo ao blackexploitation da década de 60.
Vingança & Castigo é um filme que vale cada minuto. Não pelo debate do subtexto (não só), mas porque é bom. Muito bom. Talvez um dos melhores lançamentos da Netflix esse ano. Veja!