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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Natal é tempo de restauros

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Praça de São Pedro (Mariana/MG) - Natal 2021 - Foto: Lauro Soares

Ruas lotadas. Chuva intensa. Tempo neblinado. Capim florindo no asfalto. Crianças brincam na água barrenta da enxurrada; gritam e correm. Música natalina e latidos de cachorro invadem meus ouvidos. Visualizo lojas que exibem enfeites multicoloridos. Cadeira de espera. Consultório cheio. Dor no dente. Serviço que não satisfaz. O que seria puramente estética, vira pesadelo, dor de cabeça. Mau presságio. Irritação e deselegância profissional. Aqui, ali e acolá, há profissionais de toda natureza. Saio do consultório aos prantos. Pico de pressão. Desço a avenida, um homem pergunta o motivo do choro. É um cisco, digo ao ilustre desconhecido. Máscara escancara olhos neblinados. Banco lotado. Início do mês. Olhos ávidos de quem não sabe disfarçar curiosidade. Águas salgadas, águas de desentendimentos. Natal, época de renovação, perdão e replanejamentos. Pombas voam do alto da torre para o adro da Sé, passeiam pelo calçamento e tornam a levantar voo. Barracas expõem iguarias da região. Pássaros voam assustados. Fios de luzes são colocados nas árvores, ruas e sacadas de antigos casarões. Não me lembro das iluminações do ano passado. Neste ano há luzes mais luminescentes, sofisticadas e coloridas. Final de ano traz lembranças e marcas profundas, nostalgias de bons tempos. Bons tempos são natais debaixo do teto de pai e mãe. Lágrimas corredeiras sobre o rosto enrugado e corado, definem sepultadas alegrias. Uma senhora caminha com dificuldades pelas ruas. Tropeça, mas continua. Dois pedintes de esmolas. Vendedores ambulantes. Quantos vendedores informais. Estia, esfria, chove. Entro na lanchonete. Pão-de-queijo macio. Atendente triste. Solicito decidida: cappuccino quente. Fumaça sobe da caneca branca. Turistas entram e saem de lojas, restaurantes e cafeterias. Observo o movimento da rua Direita. Pessoas olham vitrines. Param, entram, perguntam, compram ou seguem. Um homem xinga os turistas que param no meio da calçada, impedindo o fluxo de pedestres. Dois policiais param a viatura no meio da rua, para revistar dois jovens negros. Terão motivos, ou mais um caso de racismo estrutural? Trânsito congestionado. Excesso de autoridade. Paro, observo a revista. Abordagem invasiva, constrangedora. Grupo de pessoas observa sem intervir. Sigo em busca de outros motivos para continuar a perambular pelas vias estreitas. Tropeço em estrutura metálica no meio do caminho, que servirá de base para os enfeites natalinos. Raios passam pelo metal? Não sei. Cachorro revista o lixo. Paro. Converso com dois conhecidos. Sento-me no banco da praça. Respiro. Transpiro. Cansaço e estresse acumulados. Dor nas costas, no dente, nas pernas… Sol engolido por nuvens cheias e cinzentas. Sol e chuva, um rende o outro num compasso livre e respeitoso. Falta um punhado de dias para o Natal. Nenhum presente enfeita minha árvore sem bolas, laços, fitas e luzes. Tristeza é encarada de frente. Ontem menos triste, hoje mais triste, futuramente mais ou menos feliz. Reflito sobre a vida. É pedra, pau; é algodão e seda. Recursos que seguem, recursos que travam ou liberam caminhos. Colhi experiências, flores frescas, pedras, ninharias de carinho, fartas contrariedades. Respondo o cumprimento de alguém. Sinto pelas perdas desta semana. Amanhã? Creio que o sol não surgirá. Chuva que encharca o jardim de casa. Chuva que entra pela janela do quarto. Chuva que lava amarguras. Chuva que rebrota plantas. Chuva que limpa e suja. Bloco de notas eletrônico guarda impressões diárias. Uma bagatela de tristeza faz um bem danado à alma compulsiva. Nada mais apreciado do que gosto musical pela canção de passarinhos. Amanhã é dia de feira, dia de tirar o tapete do chão, dia de aspirar o pó dos móveis, dia de lavar parede, dia de limpar guarda-roupa, dia de arear todas as vasilhas de alumínio, dia de encerar o chão… Faxina, faxina mesmo. Tiro o celular da bolsa. Clico na câmera do aparelho móvel. Miro pássaros decolando ou aterrissando. Vêm do céu, voltam para a terra. Vão e voltam quando bem querem. Livres de gaiolas, burocracias, perrengues… Motivo de planejamento neste Natal é quitar arestas e mágoas acumuladas. Acumular frascos generosos de delicadeza, lealdade e gratidão. Agora respiro um pouco mais aliviada. Um segundo dentista, este velho conhecido, restaura meu dente danificado em intervenção de profissional novato no mercado, mas instalado em suntuosa clínica. Natal é tempo de restauros. Restaurei meu sorriso!

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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