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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Postar ou não postar, eis a questão

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Crédito da imagem: “selfie”por designrama is licensed under CC BY-NC-ND 2.0

Se vivesse nos dias de hoje, talvez esse fosse o dilema de Hamlet, e não a clássica versão: “Ser ou não ser, eis a questão”. Está cada vez mais comum ouvir alguém dizer que ficou surpreso em ver que tal artista está vivo, depois de vê-lo na TV. Já que ele não aparecia muito, então deveria estar morto. No caso das celebridades, a grande mídia ainda é um indicador de sobrevivência, mas, entre as pessoas comuns, a presença nas redes é cada dia mais usada como indicativo para lembrar que alguém existe.

Nós mesmos quase nunca resistimos a postar fotos dos principais episódios de nossas vidas, sejam festas, shows, viagens, nascimentos ou mesmo falecimentos. Se não postarmos, é como se não tivéssemos passado por aquela experiência. Nossa consciência é uma construção coletiva. Segundo a Filosofia Ubuntu, “eu sou porque nós somos”. Nossa linguagem é coletiva, e muitos aspectos da nossa autoconsciência se tornam mais nítidos quando nos comparamos com os outros.

Por exemplo, velocidade, altura, peso, inteligência, beleza, saúde, riqueza, etc., não são parâmetros absolutos. Sempre são medidos em comparação ao contexto. Sou mais rápido que um jabuti, mais baixo que uma girafa, mais leve que um elefante, e por aí vai. A tentativa de encontrar valores absolutos, ou ideais, era um pressuposto da filosofia platônica. Mas estamos cada vez mais longe desse ideal.

Nas redes digitais, tudo o que fazemos pode ser reinterpretado ou percebido de forma distinta da nossa intenção. O sentido é dado pelo coletivo. Uma conversa no grupo do ‘zap’ da família ganharia um sentido totalmente distinto se fosse postada no Face. Muitas confusões estão acontecendo por não prestarmos mais atenção às diferenças de contexto. Aquilo que era conversado nas mesas de bar, depois de algumas cervejinhas se perdia no ar, bobagens que poderiam ser esquecidas sem maiores consequências. Mas, hoje, essas “bobagens” podem ser gravadas, compartilhadas e, uma vez eternizadas nas redes, podem destruir a imagem pública de uma pessoa.

Como lidar com isso? E porque devemos nos importar com isso? Muitos falam em censura e intolerância, dizem que vivemos a era dos cancelamentos. Não se pode negar a importância das reivindicações dos grupos historicamente excluídos. Nem toda piada tem graça. Mas a questão é como conseguiremos conviver sem fazer bobagens. É parte das nossas vidas falar besteiras e nos arrepender. Como crescer e amadurecer sem esse aprendizado? Imagine um jovem de 12 anos tendo que explicar uma postagem preconceituosa no RH de uma empresa daqui a 10 anos.

Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu o direito ao esquecimento. Ou seja, as pessoas podem solicitar aos sistemas de busca, como Google, a exclusão de informações consideradas negativas para sua imagem pública. A solicitação é avaliada levando em conta o interesse público daquela informação. O debate jurídico sobre esse direito é extremamente complexo e atravessa questões da ética, da liberdade de expressão, do direito internacional, além de envolver aspectos técnicos. Mas, em geral, a lei olha apenas para a informação publicada em jornais ou instituições consolidadas. Pois é quase impossível regular o que usuários comuns fazem nas redes.

Assim, voltando ao exemplo do rapaz acima, que estava tentando explicar uma postagem preconceituosa ao RH, é muito provável que ele não consiga solicitar a exclusão dessa postagem nos motores de busca. Mas o que ele poderia fazer? Não resta dúvida que precisamos ser mais cuidadosos com o que compartilhamos nas redes. Principalmente quando são postagens relacionadas a assuntos mais polêmicos ou que envolvam pessoas em situação de fragilidade.

Uma boa dica é esperar um pouco antes de postar, tentar reunir mais informações, confirmar se não se trata de uma fake news, ou de uma informação desatualizada. No caso das piadas e das ironias, experimente se colocar no lugar do alvo da sua chacota. Será que o tom está pesado? Se você estivesse na presença de outras pessoas, você faria essa brincadeira do mesmo jeito? Esse exercício, em geral, nos faz desistir de postar a piada, pois muito da graça está no calor do momento. Esperar um pouco acaba esfriando a intenção original e a postagem perde o time. Mas não precisa radicalizar e virar o chato da timeline, esse cuidado pode até ajudar a melhorar a qualidade do seu humor e quem sabe atrair mais curtidas.

Seja como for, as redes estão aí, não somos obrigados a estar nelas, podemos até ser pressionados socialmente a estar nelas, mas ainda podemos escolher. Por isso, precisamos encontrar formas mais sustentáveis de participar desse mundo. Outra dica muito útil é levar em conta a diferença de contextos. Na vida off line, a gente já tinha esse cuidado. Não usamos o mesmo tipo de roupa em casa e nas ruas, não nos comportamos do mesmo jeito em uma reunião familiar e na escola. Nas redes, os grupos e os contextos sociais tendem a se misturar, somos seguidos por professores, colegas, familiares, clientes e desconhecidos. Nem sempre conseguimos controlar quem tem acesso ao que publicamos. Assim, a melhor estratégia é buscar uma forma de internalizar um comportamento ético, cuidadoso e construtivo desde cedo.

A Educação Midiática e Digital pode ser uma aliada importante nesse aprendizado, mas ela não pode ser uma tarefa exclusiva das escolas e instituições. É preciso que pais e familiares também demonstrem esse cuidado em suas postagens e em sua presença digital. Eu sou porque nós somos, e todos somos responsáveis por construir uma convivência mais saudável nas redes.

Texto originalmente publicado no blog Oficina de Linguagens Digitais

Picture of André Stangl
André Stangl é filósofo e educador digital, Doutor em Comunicação (ECA/USP) e Coordenador da Oficina de Linguagens Digitais
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