Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Penso nos desvalidos

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Compartilhe:

Foto: KoolShooters/Pexels

Não preciso ligar o aparelho de televisão para ver que a chuva tem castigado diversas cidades do Brasil. Nas redes sociais imagens de casas sendo totalmente tomadas pelas águas das chuvas torrenciais aparecem em excelente resolução. Pessoas correm com seus pertences. Pessoas procuram abrigo. Animais e crianças são levados com cuidado para um local seguro. Todo início do ano é assim. Já perdi as contas de quantos textos teci sobre o assunto. Fortes chuvas, casas construídas em áreas de risco deslizam ladeira abaixo, como se fossem de papelão. E a prevenção? Por que essas pessoas têm que habitar locais de risco? E as vistorias? E os avisos das autoridades para que os moradores abandonem o local? E as inspeções? E o aluguel social? Tudo fica igual quando janeiro e fevereiro viram o calendário. Quantas vítimas já foram arrastadas pelas correntezas? Inúmeras. Quantas políticas públicas foram implementadas para que o caos não aconteça nesse período do ano novo? Não sei. Saio da frente do computador para escutar mais uma notícia de deslizamento, dada pelo aparelho de televisor da vizinha. O som está tão alto que consigo escutar todo o jornal, sem precisar ligar minha TV. Haja corpo de bombeiro para dar conta das chuvas torrenciais que castigam vários estados brasileiros. Aqui chove torrencialmente. O meu aparelho de televisor exibe erro 302- com a seguinte mensagem: em caso de chuva ou mau tempo, espere alguns instantes. É que o sinal não é mais analógico, é digital. Nuvens atrapalham a transmissão. Aguardo pacientemente com os olhos quase fechados de tédio. O analógico não dava estes problemas de transmissão com o mau tempo. O marido fala que o digital é tela limpa, em alta resolução. Dou de ombros. Não quero discutir com o barulho da chuva fazendo coro. Insisto para ele que chuvas brandas ou torrenciais não costumavam boicotar a programação. Ele alega que a tecnologia está cada dia mais presente na vida da gente, basta saber usá-la a nosso favor. Ora, bolas, xingo baixinho. Tem mais de 20 minutos que leio o mesmo erro na televisão. Nada da novela. Nada de Jornal. Nada de minissérie, nada. Bato papo. Falamos sobre trivialidades. Coisas de casa. Música. Poesia. Livros. Projetos… Entre um e outro papo, ele cochila. Está cansado, levanta-se cedo. Produz de manhãzinha ensaios e compõe letras de músicas. Daqui a pouco será carnaval. Desejava que sua música fosse à avenida no desfile da Escola de Samba Morro da Saudade. Mas não terá carnaval. Ele inicia o samba enredo de louvação a São Francisco com o seguinte refrão:

Irmão sol,

irmã lua,

seu altar é aqui no carnaval da rua/

irmão sol,

irmã lua,

seu altar é aqui no carnaval da rua.

Segue com São Francisco rogando para que Ele venha usar a Voz da Morro da Saudade, para dizer à humanidade que é preciso amar (COMO É PRECISO AMAR!).

Resgatar os esquecidos,

acolher os desvalidos, confraternizar.

Viver assim, em perfeita harmonia,

terra, fogo água e ar.

Penso nos desvalidos pela chuva torrencial. Penso no povo que mora debaixo da ponte. Penso no povo que mora nas ruas. Penso nos dependentes químicos que ainda não conseguiram terapia e assistência. Penso nas casas sendo soterradas. Penso nas vítimas. Penso no negacionismo. Penso na enxurrada de coisas erradas que foram praticadas pelos políticos em Brasília e outros estados. Penso nas empresas e nas negociações escusas que fizeram políticos e empresários nadarem em rios de dinheiro. Penso no pobre que está a sobreviver com o bolsa família ou salário-mínimo. Reclamo do calor que está fazendo no quarto de TV. É verão. Abro mais uma fresta da janela. Abano o rosto com um papel. A imagem da televisão retorna. Está na minissérie, quase no final. Peço a ele para desligar a TV. Não tenho mais vontade de assistir. A chuva continua pingando lá fora, bem mais branda. Penso como é preciso amar a humanidade. Penso como é preciso resgatar os desvalidos. Penso como é necessário recebermos respeito, princípio e direitos universais. Penso no samba enredo dele: Pra olhar que irmãos/somos todos iguais/Ante a mãe natureza/Que tudo criou. Que a mãe natureza cuide de seus filhos, pois seu altar é aqui, a pedir amor e harmonia.

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
Veja mais publicações de Andreia Donadon Leal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *