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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

A sirene, o massacre, o tanque

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A sirene dá o aviso. Soa como prenúncio da dor. Há doentes, idosos, incapacitados de correr, mas não diga sobre não ter sido alertado. Há escadarias a vencer. Depressa. Pegue somente documentos, um agasalho e a comida para a viagem. Não dá mais tempo de olhar para trás. Corra. Em instantes, debaixo do pó, restarão apenas os escombros.

O alerta foi dado para que ninguém duvide da humanidade de um ditador. A morte anunciada forja a garantia da integridade de inocentes. Da TV, o mundo assiste a cenas semelhantes a grandes produções cinematográficas. Grito metálico, fogo e poeira. Câmeras atentas percorrem os destroços repetidamente. Fotos de civis estampam os jornais. Conjecturas sobre os senhores da guerra. Apelo de um. Deboche do outro. A razão a quem pertence? Inocentes não incitam à destruição. À sombra, proteja-se a expansão de territórios à custa da vida alheia, pois, na grande sala, civis também são peças do tabuleiro.

Força.

Poder.

Direitos?

Arrogância.

Mais uma guerra. Há quem não tenha saído de uma. Crianças nascem para morrer. Lutam pela intolerância de outros. Ciclicamente, o mundo divide-se e reveza em catástrofes. O planeta está exaurido. Se os efeitos da pandemia parecem já não assustar mais, não acredite em dias que suscitem o bucolismo.

Xeque-mate.

Em defesa da pátria e de territórios, determina-se o massacre. Legitima-se o abominável. E não se engane, porque guerras não começam da noite para o dia. São meticulosamente engendradas. Muitas, absurdamente arrastadas até a exaustão. Quantas ainda agonizam entre a força de quem mata e a de quem diz proteger? A de agora, de forma aparente, vislumbra uma nova ordem mundial. Pode ser. De fora, vozes se exaltam, fazem análises.

E os civis? A gente comum sai às pressas de suas casas. Confusas, embriagadas de terror, buscam razão no caos. Perfilam-se. Puxam os filhos pelos braços. Uma criança segura o brinquedo de pelúcia, que ainda está quente do sono interrompido. Fronteiras são escolhidas para fuga, enquanto muitos aguardam outros sinais. Fronteiras também medem a dor das vítimas pela cor da pele.

Refugiar.

Direitos humanos.

Tantas mazelas no mundo!

É preciso ficar alerta, acompanhando os próximos passos dos soldados que avançam por todos os lados. “Talvez um acordo seja tomado, ou quem sabe não haja bombardeio por aqui.”, pede a senhora a Deus. Porém, a voz implacável prossegue no mesmo ritmo, quase inalterável, com gestos ensaiados e olhar de desprezo. Planta dúvidas nas pessoas e avança.

Horas de espera.

Noticiários.

Avisos por redes sociais.

De repente, o sobressalto diante da cena abrupta que revela com exatidão os dois lados da moeda. O tanque de guerra vai em direção ao carro de um civil e o esmaga em segundos. A mulher grita por detrás da janela. Pode ser um vizinho, parente, o marido, o filho. Ela se reconhece debaixo do tanque, em meio às ferragens retorcidas, e compreende, no mesmo instante, o que é a perda da humanidade. O que dizer para as crianças? “O mundo é bélico e vence o mais forte. Aperte a mão da sua mãe e não a perca de vista. Fuja.”

O século XXI nasceu envolto de maus presságios?

Do carro destruído, o homem é retirado com vida. Sorte, milagre, Deus?

Infelizmente, mínimo alento para dias em que as sirenes não deixarão de soar.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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