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Hoje é domingo, 10 de novembro de 2024

Tempo quente nas redes sociais

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Foto: Lisa/Pexels

Frio cortante. Meu cachorro, Jota, está encolhido sobre o tapete. Não tem sol. Tempo fechado, nubloso. Visualizo a tela do celular. Cem mensagens para responder. Cubro a cabeça com um cobertor grosso. Frio intenso. As redes sociais estão quentes. Os assuntos mais aventados são estupro, aborto, adoção, violação do corpo, da honra, da intimidade, do desejo de ir e vir… Criança ou mulher devem levar em frente fruto de uma relação sexual não concedida? Que senso de justiça, do certo ou errado, do conveniente ou inconveniente, do espiritual ou pagão, transita no julgamento de pessoas que não têm nada a ver com a vida alheia? De julgadores que não têm uma nesga de respeito pelo outro? De julgadores que sapateiam no sofrimento alheio? De julgadores que se julgam sábios e donos da moral, dos bons costumes e das verdades absolutas? Que sentido de justiça transita nos tribunais da sociedade, que tecla, expõe, joga pedra, vende pautas para colunistas que sobrevivem às custas dos sofrimentos dos outros?

Nascemos predestinadas a dar à luz ou não? Nascemos objeto de desejo ou somos sexualizadas por culturas machistas? Nascemos, especificamente, para reproduzir, independentemente de sentimentos, escolhas ou planejamentos? Nascemos marcadas, com um selo ISO na pele: REPRODUTORAS? Não importa a forma como foi concebido um novo ser que habita em nós; os julgadores falam que é carma conceber um filho, fruto ou não de um estupro. Carma é carma, e pronto? Tanto faz ter um filho, se for fruto do amor entre duas pessoas ou tanto faz se for de um estupro, de uma violação ao corpo e à alma?

O que é o amor pleno à vida humana, se não liberdade de escolha? Escolha é algo pautado no exercício da cidadania, no direito de poder decidir, quando diante de opções. Não há senso nem empatia de quem julga como deve ser a vida do outro, o comportamento do outro ou sobre o direito de dar à luz ou não, de dar à adoção ou não, em situações de estupro. Meus olhos correm de um lado para o outro. Arrasto post de um feed. Meus olhos ainda vão ver mais coisas, eu sei. Leio a carta aberta de uma moça. Vejo dois vídeos de um jornalista e de uma ex-atriz, formadores de opinião, que felizmente, conseguem formar uma rede de opiniões contrárias à malfadada opinião preconceituosa e debochada deles. O julgamento virou contra os julgadores. Que incêndio nas redes sociais! Amanhã vai ter mais lacradores de opinião, mais matérias, mais textos, mais reuniões, mais choro, mais ataques nas redes, mais processo. Em destaque: onde está a ética dos profissionais da saúde, que deveriam honrar o juramento de sigilo, de proteção incondicional ao ser humano? Foram reprovados na disciplina!

Levar adiante a qualquer custo uma gestação na infância? Para uma mente insana do poder judiciário, uma criança de 11 anos que carregava um feto no ventre, deveria gestar o bebê, para a felicidade de outra família. Pouco importa se a criança foi violentada, pouco importa se a criança não tem corpo para uma gestação, pouco importa a lei brasileira, pouco importam os traumas, os problemas psicológicos, a imaturidade, e a própria incapacidade de uma criança dar à luz à outra criança. Se estupro, se criança, se isto ou aquilo, os julgadores falam pelas tamancas, em vez de calar, de silenciar em respeito ao sofrimento do outro. Sei que o frio é cortante. Que as redes sociais peguem fogo! Meu ventre oco, desde a adolescência, já foi tribunal de indicações de adoção ou fertilização. O tempo fechou-se para o calor, mas as redes sociais pegam fogo.

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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