Conversa com o espelho
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Entrei no curso de Letras, se não me falha a memória, aos vinte e seis anos de idade. Conclui o mestrado, se não me falha a memória, depois dos quarenta. Vou concluir o Doutorado, se Deus e a saúde permitirem, depois dos cinquenta anos. Há poucos dias, uma notícia de etarismo viralizou na rede social. Etarismo, substantivo masculino, cuja separação silábica é e-ta-ris-mo, significa preconceito ou discriminação em razão da idade, ou aversão a pessoas mais velhas ou à própria velhice. Alunas de um curso de graduação cometeram etarismo, ao debocharem de uma colega de curso, que tem mais de quarenta anos. Recomendaram-na aposentar-se, se não me falha a memória! Durante minha passagem nos cursos de graduação e pós, sempre tive dificuldades de fazer parte de grupos de trabalhos. Nunca supus que fosse minha idade ou algum outro tipo de preconceito. Na minha época de graduação, nunca ouvi falar sobre “etarismo”. Na minha época de graduação, eu não tinha celular, internet, computador, nem acesso irrestrito a informações… Se sofri etarismo ou algum outro tipo de preconceito, aprendi a superar meus traumas e minhas mágoas na marra mesmo, sem advogados, juízes, seguidores e comentaristas. Fui aprender a mexer em mensagens eletrônicas, depois dos 35. Quanto tempo para percorrer portas e janelas da rede social! O tempo é mera invenção humana. O momento agora é o que conta, é o que presentifica o instante. O etarismo me fez refletir sobre minha trajetória na vida estudantil. Tive poucos contatos na vida de estudante; participei de poucas turmas na época da infância e adolescência. Na graduação, era difícil fazer parte de duplas de trabalho, não porque não queria. Sempre tive a crença de que a dificuldade de ser convidada para fazer parte de grupos de trabalhos escolares, era pelo fato de ser extremamente tímida. A timidez, evidentemente, corroborava, mas não era o motivo central. A gente aprende na marra, quando a cabeça não é dura feito pedra. A gente aprende, na marra, a aprender a ler a gente mesmo. É mais difícil aprender a ler a gente mesmo do que ler o outro. Demora, mas a gente, se não for cabeça dura demais, aprende. Rezem, estimados leitores, para conseguirem aprender, no transcurso da vida de vocês, mesmo que seja no final da encruzilhada, a conversar com o seu “eu”, na mais pura e real franqueza, olhando para o espelho. Ou melhor, aprendendo a ler a si mesmo. Um punhado de defeito surgirá na conversa com o espelho. Acho que a gente aprende com a idade, virando a serra ou não, com passos mais ou menos vagarosos e imprecisos. A gente aprende a não falar tudo o que pensa ou o que vem na telha. A gente aprende, na marra, a priorizar a paz de espírito e a noites de sono, em vez de se engalfinhar numa briga desnecessária. A gente aprende que a idiotice da hora, é esse punhado de gente que fala aos quatro cantos da tela o que pensa ou o que dá na telha, em vez de falar com ele mesmo no espelho. O mundo atual, nessa era digital, quadriplicou o número de juízes sem Direito. Rede social é poder de ponta sem lei. Milhões de falsos juízes e especialistas da vida alheia opinam, dão seus vereditos, suas marteladas… Todo mundo sabe da vida de todo mundo, mas não sabe da própria vida! Todo mundo discute e julga a vida de todo mundo, mas não da sua própria vida. Poderia dizer que não estou aqui para julgar essas “crianças” que debocharam dos mais velhos, mas seria um erro não opinar sobre o ocorrido. Aqui, eu falo olhando para a lauda de um jornal, em vez de falar olhando para o espelho. As alunas que cometeram o etarismo, falaram em alto e bom tom para a tela, com direito à gravação e a compartilhamentos de seus preconceitos. Colocaram para fora e para valer seus pensamentos, sem filtros e censuras. Essas meninas terão tempo para aprender (este é o meu desejo!), que não há faixa etária nem tempo, para aprender ou frequentar escola. É sempre tempo. Que elas retornem ao ambiente universitário para poderem aprender. Se a vida estica o tempo de aprendizado, isto é para quem aprende a ler a si mesmo, na marra do tempo. Aprendi, na marra, a diminuir o tamanho da minha timidez e sisudez, quando elas vêm à tona… Aprendi isto, conversando com o espelho. Talvez, essas meninas, com o tempo, aprendam a conversar com seus “eus” no espelho; aprendam a abaixar ou eliminar as vozes dos seus preconceitos. E talvez, com o tempo e campanhas educativas, os linchadores virtuais aprendam que crucificar ou massacrar o outro, é promover mais violência e ataques. Bem, acredito que sempre teremos tempo, para aprender a conversar com nossos espelhos, até a hora da nossa morte… Amém!