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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Sobre amar

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Foto: Paula Guerreiro/Unsplash

O calendário, talvez, seja um exemplo dos mais interessantes paradoxos da existência humana, isso porque a necessidade de registrar de forma contínua a vida é, sincronicamente, afetiva e melancólica. Invenção que remonta à Pré-História, ele aponta para o futuro e o passado. Ilusão forjada sobre o controle do tempo, já que viver é uma ação presente e, portanto, não se encaixa no subjuntivo.

No entanto, aprendemos ou nos condicionamos a idealizações. Escolhemos conjugar probabilidades. E, desse modo, quando julgarmos sabedores do momento certo, faremos coisas extraordinárias. Seremos felizes e realizados. Assim, poderemos olhar para o passado, sem receio de nos ver pelo retrovisor. Planejamentos infantis sobre o controle da vida. Por isso, escolhemos datas.

Em algum momento, teremos entendido o incrível ciclo da primeira mãe: a Natureza? Egoístas, ceifamos o seu ventre para controlar o que nos foi oferecido sem que fossem necessárias intervenções, analisando ciclos, com marcações nas paredes, observando o Sol até, por fim, desejarmos a manipulação do tempo. Pobres mortais.

Mesmo os dias já existentes antes da origem humana vinda de um processo evolutivo, do seio da Mãe Terra, ou do sopro divino, pouco ainda nos integramos ao que é natural. Negamos, insistentemente, a ancestralidade reveladora do ventre que nos acolhe anterior à nossa existência consciente, a primeira mãe. Sentir a terra que nos sustenta, aquela que provê alimento e que, no fim, nos acolhe, absorvendo a matéria, é caminho para o transcendente, para, então, expandir a consciência do amor primordial.

Ilusória a necessidade da data marcada no papel, que ainda se alterna anualmente, pois a mãe é o princípio. Da Mãe Terra, a origem da Mãe Mulher. O amor sem medida. O corpo que floresce nova vida. Ela sabe do inacreditável, suportando a dor do corpo ao romper o casulo. E regenera-se. É o milagre vivo em todos os lugares. Promove a continuidade. Muitas vezes, poderá sofrer a surpresa da perda e terá de devolver o fruto à Mãe que a antecedeu. Outras vezes, estará sozinha. Lutará em terreno árido até chegar à fonte, ao húmus. Entenderá os ciclos de cada estação, para compreender a si mesma. Descansará sob a parca sombra também seca, machucada pelo tempo, que, devagar, sustenta as raízes para nova fase. Seu tempo: contínuo. Quem é a mãe senão a força primária? A mãe que acolheu o fruto de outro ventre se faz fonte, quando nada mais se fazia presente.

Não há tempo. As datas são ilusórias. A Mãe é. Ela é expansão do universo em movimento ininterrupto, e quando não se faz mais visível, funde-se à Mãe Terra, fortalece o solo que sustenta sua prole. Ela é caminho, porque se faz direção. Ela é a própria vida.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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