Uma bolha evita a outra
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
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Gritaria na rua. O som de cantoria já aborrece. O dia inteiro, som altíssimo de batidão de duplas “todas iguais” tortura minha paciência. A noite toma o céu. Frio cortante. A gripe toma meus ânimos e planejamentos. Coriza, rouquidão, tosse, dor no corpo e calafrio. Este frio está de amargar! Esquento chá de hortelã. Adoço com mel, pingo quatro gotas de própolis e espremo meio limão. Agora estão dizendo que adoçante não faz bem à saúde! Ar em excesso não faz bem à saúde. Música alta não faz bem aos ouvidos. Uso de celular em excesso não faz bem à saúde mental. Gordura não faz bem ao coração… A lista de coisas que não faz bem à saúde não tem fim. Viver demais não faz bem à saúde. O corpo não aguenta o punhado de anos acumulados. A pele vai murchando. A memória tem hardware limitado. Música da vizinhança já não me faz bem. Irritante. Inconveniente. Enjoativa. Mas, e daí? Os incomodados que saiam de suas casas, para deixarem mais espaço para os que não sabem viver em comunidade. A moradora de frente encheu o caminhão de móveis. Tenho dó de mim. Fiquei sem uma célula da bolha. Suponho que ela foi para um condomínio de moradores cônscios de civilidade, educação e desconfiômetro. Esta é uma boa bolha, especialmente, para quem viveu numa bolha de excessos de barulhos, inconveniências e gritos. É salutar ter desconfiômetro. Não incomodar vizinhos. Não incomodar o ouvido alheio! Não perturbar o silêncio e o descanso do outro. Balela pura! Quem não tem educação nem desconfiômetro desde a infância, na adultice continuará a ser sem educação e sem noção. Sem educação ao quadrado; sem limite ao quadrado. A vida dá reviravoltas… Deus não fecha os olhos. Creio. Por aqui, sofremos indefinições e saudades dos bons tempos. Pode ser amanhã; amanhã pode não ser. A intolerância é das pessoas e não das redes sociais, disse o filósofo. O ódio é das pessoas, e não da rede social. Boto fé nestas premissas. Tento, a todo instante, sair da minha rede. Uma bolha evita a outra. Não precisa ser filósofo para constatar que que aqueles que aparecem nos programas de televisão são os mesmos de sempre. As mesmas figuras que fazem parte da bolha dos famosos. Nós, pobres sem fama e dinheiro, é que alimentamos a bolha dos famosos e dos políticos. Por isso e outros motivos, não acompanho nem de longe, quem se fecha em suas bolhas. Quem vive dentro da bolha, enxerga com um olho só. Nos partidos políticos é a mesma coisa. Uns voltam à bolha, enquanto outros saem, momentaneamente. Aqui, a bolha se rompe, volta a se fechar, depois volta a se abrir. Quem vive nesta e desta bolha, detesta quem questiona a bolha; detesta os contraditórios; detesta os debates e as divergências. E é destas bolhas que o mundo do fingimento se alimenta, se nutre e se reverbera. Os relacionamentos são líquidos, artificiais, ilusórios. Ninguém é amigo de ninguém, ninguém é confiável; a maioria esmagadora se abre para a bolha que está no poder. Mãe dizia, e não se cansou de dizer, que é para aprender a ouvir as opiniões contrárias. Que as divergências nos fazem crescer, olhar o mundo ao nosso redor com os olhos abertos. Ela tinha razão. Mãe não se cansa de aconselhar, educar, amar; entrando e saindo da bolha a todo instante… Aqui há tanta cercania que mal vejo o horizonte. Estamos sem horizontes, há tempos, fechados numa perversa bolha que almeja, erroneamente, dar vivas e colocar no pedestal os famosos. Pobres de nós que não sabemos o óbvio ululante. Pobres de nós que enxergamos com um olho só. Até os que não pegaram numa pá para laborar o terreno, foram aclamados e elevados. A culpa é nossa. Quem tem olhos que aprenda a enxergar, ou quem vive na bolha, que aprenda a romper a sua bolha, a bolha dos famosos ou a bolha de um grupelho no poder. Nossa sina, aqui no sertão, é viver de aparentes alegrias, fingindo que é feliz ou que está tudo bem, numa bolha que quita nossos sonhos e futuros.
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