Cores da Aurora
Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”
Compartilhe:
Costumava deitar na grama, adivinhando o tempo. Soprava o futuro, desenhando o mundo com figuras inimagináveis. Para ela, as nuvens eram mágicas. Durante horas, saboreava, de olhos fechados, o algodão que se misturava nos diversos matizes da imaginação. “Veja aquele dragão. Vai abraçar a Lua.”, e com o dedo apontava para o infinito, porque achava que as cores e as formas se alteravam ao seu comando. O céu tingia-se de muitos tons.
Além das nuvens, gostava de acompanhar o crescimento de uma árvore, no quintal de casa. Vez ou outra, pedia a alguém para marcar o seu tamanho no tronco dela. “Estaria crescendo também?”, ansiava pelo futuro. Passo a passo, começou a compreender que, assim como a árvore-amiga, desenvolvia-se. Tão lisas as folhas dos pequenos galhos. Era brilhante o verde que gostava de acariciar. Naquele espaço, tudo rodeava a pequena árvore. As outras mais velhas, bem alicerçadas ao solo, pareciam protegê-la. Com copas robustas, os galhos imensos conversavam com o vento como numa orquestra. “Chegariam até as nuvens.”, ela pensava. Nesses instantes, segredava à amiga os desejos. Contava histórias nem acontecidas.
Certa tarde, após o almoço, percebeu que era possível brincar sob os galhos da jovem árvore. Deitou-se no colchão verde e admirou os gestos majestosos de quem também descobria a vida. Correu para pegar qualquer objeto. Queria intensamente comparar o seu tamanho com o dela. Feliz, abraçou a confidente e deitou-se de novo. Assim, bem silenciosa, quis observar o diálogo da árvore-amiga com os seus pares. Talvez, ela estivesse contente e falasse também sobre como era generosa, deixando marcar em seu corpo as expectativas de outro ser. “Somos grandes”, disse em êxtase, balançando os braços para o alto, imitando todas as árvores do quintal.
Dia a dia, as coisas continuavam e tudo mudava. Já não permanecia longos minutos na grama da infância. Seu corpo pulsava para outros caminhos. Quando voltava para o seu lugar-abrigo, confidenciava os medos do presente. “Nem sempre as nuvens têm cores de algodão.”, refletia. No entanto, sabia que até a vontade de parar por um instante fazia parte do plano do tempo que era a própria vida. E, como resposta, a amiga revelava os frutos que floresciam entre o balé de suas folhas. Compartilhavam transformações. Passou a trazer as crianças para os sonhos das tardes livres. Todos em sincronia, sem ensaios, harmonizavam gestos e sons numa bela coreografia.
Aos poucos, começou a notar que algumas árvores não floresciam mais como antes. Silenciavam. Assim acontecia também dentro da casa. Revelou-se o encantamento de outros tons. Contemplou os galhos ressequidos e reparou, de repente, na textura da própria pele. Quis sentir a textura da árvore-irmã. O inevitável. Se pudesse, mensuraria cada sentimento que explodia em seu peito. Deslizou os dedos pelas marcas do corpo. Reconheceu semelhanças na outra. Tudo continuava. “Para onde vai o que não pode permanecer visível?”, perguntou o mais alto que pôde. Cansada, deitou-se no manto acolhedor, agora, de olhos muito fechados. Demoradamente, gotinhas suaves a acariciavam, depois, a tempestade. Esquecida de todos, mirou o céu pintado de cinza até lembrar-se dos dias em que a chuva a impedia das peraltices ao ar livre. Na mente vívida, os barulhos da casa. Detrás das vidraças, esperava. Agora, com a pele úmida, junto ao solo, sentia a plena existência. A mesma casa ainda que outra. E, convicta das muitas perguntas que faria, viu o infinito colorir-se em multicores como o seu íntimo que também vibrava.
Inscreva-se nos grupos de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.