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Hoje é quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Do arco-íris

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Foto: Francesco Ungaro/Pexels

Toda colorida de tons vibrantes. O presente foi colocado bem no cantinho do quarto. Gostava de admirar o que ganhava, sentir o cheiro e a textura. Sem saber, trabalhava a memória. Naquele domingo, a manhã enevoada desplanejava, porém, os sonhos da criança. Tudo pronto na véspera: o dia seria de praia. Custou a dormir. Seus melhores dias. O coração infantil acelerava na medida em que o ar ia se cobrindo de aroma tão especial. Estrategicamente, seu olhar procurava a rua contínua, toda de areia, até encontrar com o imenso azul. Corria descalça. Tudo ali era felicidade.

Olhou para a janela com as cortinas abertas, o vento anunciando a chuva. Nenhuma nuvem conversava com a menina. Infinito manto cinza. O pai veio animá-la, e a casa começava a escutar os primeiros sons que se avizinhavam. Quis ficar ali. Desceria em seguida. As crianças ficariam recolhidas num domingo interminável.

Programas insípidos na TV. O pai decidiu colocar um disco no aparelho de som. O jeito seria preparar o almoço. A mulher gostava da folga das tarefas rotineiras, nos finais de semana. Enquanto isso, a menina escorria pela escada, buscando o sofá. Olhos fechados, os pés na areia, o sol muito quente e a água gelada. Desejava outros sons.

Dentro da casa, a música, a conversa, a cozinha animada. Ela permanecia silenciosa. Lá fora, o céu desaguava. Dentro dela, o oceano. Manteve-se imóvel por longo tempo. Ausência de cores. Exagerava. O almoço. A chuva. A música preferida do pai. Agora, uma fita cassete. Ele dançava com ela. Chegou a sorrir, mas o corpo ainda procurava o sofá. O pai insistia. Ela queria as brincadeiras sonhadas, na véspera, vencendo as ondas do mar.

O céu

de

sa

guan

do

O tempo cabia dentro da sala. Distraída, talvez ignorasse a memória que o outro lhe oferecia.

Enfim, vozes de crianças. Outras janelas se colorindo. Quis sair. “Na chuva?”, perguntou o pai. A mãe ria. A menina dizia do sol que viria. Insistia com o olhar. Foi então que lembrou do presente. Correu pelos degraus de madeira. Chegou ao quarto. O cheiro. A textura. Pronto. Poderia sair sem qualquer impedimento. Abriu a porta. O vento gelado era delicioso. Experimentou, então, a sombrinha de tons vibrantes. A amiga morava na casa da esquina. Atravessou o jardim e passou pelo portão de madeira. A rua estreita, sem saída. Ficavam horas brincando. Às vezes, deitadas na calçada, descobrindo imagens de algodão, decidindo múltiplos futuros. O domingo corria. Debaixo do presente multicor, parecia que o sol se abria todo para ela. Ensolarada, ficou parada por um instante, olhando para cima. Via as gotas tocando aquele telhadinho de tecido colorido. O som suave e cadenciado a enchia de alegria. Quis correr até o pai. Era domingo. De repente, entendeu tantas coisas. Mais um portão se abrindo. Casinhas bem parecidas. A amiga correu para ficar protegida sob o mesmo telhadinho e logo apontou para o outro lado. A mágica acontecia. O céu em vários tons.

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Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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