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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Tempo, amor e saudade

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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O tempo de uma vida pode ser medido pela saudade? Tenho a impressão de que essa é uma fórmula possível para o cálculo mais complexo da nossa existência. Costumamos viver à espera de eventos que demarquem o tempo. Alguém inicia a contagem pelo dia do nosso nascimento. É o marco zero da nossa vida, e para frente é projetado o que definimos, de fato, como tempo. Esperamos que a vida seja longa. Não fazemos a menor ideia dos percalços, e quanto mais tivermos a sensação de poder controlá-lo, seguiremos jogando para frente essa linha imaginária em sentido contínuo. Há uma força em nós que deseja estendê-la, pois parece-nos inevitável o entendimento de que tudo será muito breve, e, portanto, nos faltará um último instante. Resultados parciais são, muitas vezes, obtidos com alegria, como aniversários, casamentos e tantos outros projetos conquistados com algum êxito. Há vezes em que um problema faz uma reviravolta ser também um ponto de partida, e vamos seguindo, contabilizando cada passo, aparentemente certos de um possível controle. No entanto, quando nos aproximamos da linha em sua extensão completa, a contagem não parece certa.

É nesse instante que o entendimento sobre as coisas passa a ter real sentido. Todas as horas, dias, meses e anos se comprimem num espaço-tempo mínimo. O que fazemos a partir desse momento é enxergar pelos olhos da saudade. Queremos de volta tudo aquilo que nos é mais caro: um abraço, um olhar, um sorriso, uma conversa, porque é difícil compreendermos a vida racionalmente como um ciclo. Na verdade, aceitamos a subjetividade de tudo o que nos constitui como seres que desejam ter mais tempo. Talvez, seja por isso que nos prendemos a tantas formas de registro, como a fotografia, por exemplo. De certa maneira, materializamos o instante que não queremos esquecer. Se a memória falhar ou se alguém não estiver onde desejamos que ela sempre estivesse, a imagem nos consolará sobre o que, irremediavelmente, passou.

Paradoxalmente, a saudade reforça a brevidade do nosso tempo. E, nesse sentido, não há como escapar do ciclo. Ponto de partida e ponto de chegada. Sem primeiros lugares. Mas não precisa ser percebido, completamente, como finitude, porque, de algum modo, permanece vivo tudo o que está em nós. E, em algum momento, a vida se renova dentro e fora da gente. É doloroso, porque não há nascimento nem término sem dor. Nascemos, florescemos e descobrimos o amor na singularidade das nossas experiências. Acertamos, erramos e desejamos ter mais tempo para a vida. Ademais, quando alguém parte, esquecemos que iremos também. Limites da nossa incompletude. A vida é um mistério maravilhoso, mas, quando chega o fim, começa a saudade. E esse sentimento só faz sentido pelo mistério do encontro com o outro. Não faria o menor sentido uma vida em que se estivesse sozinho no mundo.

A mãe, por exemplo, é a nossa casa, como a terra pronta para florescer em amor. Ela se prepara calmamente, e, quando está pronta, a vida, milagrosamente, acontece. Desejamos guardar a mãe para sempre, no entanto, o tempo é finito e contínuo. Uma vez encerrado o ciclo, ela escapa das nossas mãos, enquanto um novo dá sequência ao mistério da vida. Tempo e saudade numa confluência ininterrupta. Racionalidade e ausência. Dor inexplicável para o entendimento de que tudo se renova. O encontro com o fim aparente da mãe é o momento exato da consciência de que aquele que parte permanece em nossas ações cotidianas, como o húmus que fortalece a terra para novos frutos. E no fim das contas, não é possível saber do amor sem a compreensão da dor. Sem isso, tudo de mais caro, deixado a nós como legado não seria, em momento algum, superior à ação inexorável do tempo. Não seria possível a renovação do ciclo da vida e da experiência do amor.

(*)  Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana

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