É para deixar de “mimimi”
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Nos estudos da linguagem, toda vez que se analisa um discurso, o contexto é colocado em foco. Isso porque é a partir dele que o sentido do texto é construído. Basicamente, as pessoas, ao interagirem com o mundo exterior, consideram a situação comunicativa, o código, a mensagem, o canal, isto é, o meio usado para se comunicar, e possíveis interlocutores, sejam estes reais ou idealizados. O fato é que toda comunicação é intencional, e disso ninguém foge. Muitas vezes, o que se quer colocar como uma simples opinião ou brincadeira, é, na verdade, a manifestação de um juízo de valor. E esperar, portanto, que o interlocutor não se posicione, é querer falar somente para si mesmo, desconsiderando todo o resto.
Toda vez que ouço ou leio a expressão “tem que deixar de mimimi”, lembro do programa humorístico Chaves. A personagem Quico, filho da dona Florinda, nunca aceita que o outro discorde dele. Se age com aparente gentileza, é à espera de não brincar sozinho, desde que ele termine ganhando. Claro! Se algo foge do seu controle, ou não tem argumentos durante uma discussão, a saída é chorar até que a sua mãe apareça para resolver o impasse a favor dele. Quico é uma figura metonímica. É bem fácil reconhecê-lo na sociedade. Quando falta a alguém um argumento plausível em uma situação de fala, tem sido costume ordenar ao outro para “deixar de mimimi”. É mais ou menos isso: “Cale-se. Essa é a minha opinião”. Ou: “Não sabe brincar, não brinca”. Ou ainda: “Aqui, quem manda sou eu”. O problema do Quico não é uma possível insegurança ou pura ingenuidade, pois ele analisa o contexto e age em benefício próprio. Se ele não for o dono da razão, ninguém poderá sê-lo. Não há nenhuma razão para aquilo que não lhe convier.
Quem age de maneira semelhante, coloca a si mesmo no direito de rir do outro para obter aplausos, por exemplo. Geralmente é o engraçado que sempre faz uma piadinha, desfazendo de alguém presente, porque a melhor piada é aquela que deixa o outro em uma situação constrangedora. A plateia rompe uma sonora gargalhada e o locutor se vangloria. Se for rápido, emenda mais uma piada e sai de fininho. Sair à francesa é fundamental. Assim, evita-se o revide. Mas, há também aquele mais esperto. A piada não é direcionada especificamente a um dos interlocutores. Ela é sempre uma sugestão. Se a carapuça servir, o problema não é de quem disse. Piadistas assim estão em todos os lugares. Não fazem parte apenas do mundo ficcional. Quando ninguém espera, já vêm com uma piada. Depois do riso, o tema da conversa muda. Fim de papo.
Há exemplos também de quem age mais diretamente, sem nenhum subterfúgio. A plateia é necessária para que o locutor possa expressar todo tipo de falácias. O desejo é estar certo a todo custo. Para tanto, as ofensas são colocadas como verdades. O mundo é assim e pronto. Se alguém ousar em refutar o que foi proferido, não entendeu o contexto, ou melhor, tirou a fala do contexto. E se vier uma réplica, a frase aparece: “Tem que deixar de mimimi”. E, nesse sentido, tanto com o piadista quanto com o doutor da pós-verdade, discursos de exclusão são ditos, classificando as pessoas. Há sempre alguém, hierarquicamente, inferior pelo ponto de vista desse locutor que analisa bem o contexto. O efeito que se espera alcançar é ter para si (ou junto de si) o que lhe agrada, o que lhe traz benefícios. Nessa perspectiva, dar voz ao outro é correr o risco de ver o seu mundo ruir. Portanto, é interessante que a voz de um grupo abafe as demais. Assim, uma espécie de ordem natural das coisas vai sendo mantida ao longo do tempo.
O que se denomina erroneamente de mimimi é, na verdade, um direito de resposta. Ao colocar a discordância em foco, a comunicação é ampliada de forma bastante significativa, porque os participantes analisam mais profundamente o contexto em que o discurso foi e é construído. Por análise lógica, quem “está de mimimi” é, justamente, aquele que nega o diálogo. Logo, assemelha-se à ação do Quico, quando ele chora e termina a brincadeira porque não ganhou. Por este ângulo, é bom mesmo “parar de mimimi”, porque nenhuma verdade é uma caixinha lacrada em que ninguém possa colocar a mão, se não for o dono da brincadeira.