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Hoje é sábado, 23 de novembro de 2024

Riqueza de Tom Zé

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No quarto episódio da temporada Riquezas, vamos falar da riqueza de Tom Zé. Isto mesmo. O cantor baiano que expressa toda sua irreverência, viva e provocadora. Na coluna de hoje, na verdade vou trazer uma canção de Tom Zé, chamada A Gravata – em especial, uma interpretação no Programa Jovem Urgente (1969), da TV Cultura.

Lá naquele programa, em suas palavras Tom Zé diz que, para um sujeito ser considerado um cidadão, ele precisa de três coisas: gravata, documento e neurose. Uma delas, motivou uma letra pra lá de intrigante – e muito atual. A Gravata alfineta e lamenta, combate e sofre os rumos da ‘cidadania de pedra’, baseada no consumo, já discutido aqui em outro episódio da temporada (Ep. 02 Dinheiro e a Sociedade de Consumo – a vida como ela é).

PROVOCAÇÃO

Tom Zé repercute o simbolismo da gravata para talvez mostrar o que podemos reconhecer como uma imposição da moralidade. A ideia de bens e estabelecimento social culminando no que significa a marginalidade diante dessas imposições – e as faltas e desequilíbrios estruturais sendo cada vez mais tratados como questões de mérito, ou proveito das oportunidades.

A Gravata simboliza sua falta. A falta de gravata – o “estrepitese moral” chamado por Tom Zé, é o estado de sub-humanidade. Uma parte, um pedaço dentro que chamamos de cidadania – e muitas vezes, em evolução.

O estado de sub cidadania é necessário para as imposições do modelo. Cria-se espaço e estimula sua existência. É como o estabelecimento da cracolândia como “opção de vida” em São Paulo.

Tom Zé consegue nos divertir com sua capacidade e cita pragmatismos morais, como nas expressões “dama sem pudor”, ou um cidadão sem a gravata é como um “grande palavrão” para a sociedade. Seria como não ter ido até onde podia – medidos sob padrões pra lá de controversos (sobre o que é ser uma pessoa boa neste universo de consumo).

ENFEITES

Tom Zé também me parece contar sobre as mais variadas formas de “se render à sociedade da gravata”. Tem a colorida, tem a borboleta, tem a de laço… mesmo cantada em 1969, a gravata citada é a do padrão empresário de 2021, a gravata de laço, a que desce do colarinho, toda molenga feita uma tripa, se deitando na barriga.

Colocamos os mais variados enfeites dos sucessos sociais em nosso caminho. Nos rendemos a algumas formas de ser – e até mesmo aos produtos que temos, para estabelecer nossos desejos e nossas concepções de felicidade, satisfação, destino e realidade. Realidades.

Pode ser com a gravata cowboy. Pode ser com a gravata borboleta. A riqueza de Tom Zé parece provocar as nossas rendições ao que realmente não é “nós”. O desenho pré-concebido do mal e do bem, e o sufocamento do orgulho, da ganância, e da ilusão do poder.

A GRAVATA

No trecho final, Tom Zé manda a real sobre o que significa uma gravata. O melhor conceito de gravata que eu já vi. O artista chama a gravata de “forca portátil” e afirma que é a forca mais fácil de manejar, além de ser moderna e bem colorida.

Tom Zé continua nos tirando do sério, compondo num verso enormes traumas sociais, referentes ao patriarcado que é uma das bases da sociedade, ao se direcionar a gravata como “um processo freudiano para autopunição”. O poder também se alimenta da necessidade de autoafirmação. Principalmente, da nossa falta de direção.

Ouvindo a canção de Tom Zé, eu me lembro que em 2021, a subjetividade do consumo venceu, e tudo está na moda. Em 2021, até o agro é pop.

E está cada dia mais fácil escolher qual gravata colocar para se esconder, pois as opções são cada vez maiores, para você se render.

Eu daqui, fico com a riqueza de Tom Zé.

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O programa “Jovem Urgente” era dirigido aos jovens e seus pais, em linguagem coloquial e direta, acessível ao público. No total, foram exibidos 32 programas. Na época, 1969, o país vivia o período mais agudo do regime militar. Realizar o programa era um risco permanente para sua equipe. A gota d’água foi um capítulo dedicado à discussão da sexualidade.

O tema provocou a imediata e indignada reação dos grupos conservadores. “Jovem Urgente” foi o primeiro programa de televisão a sofrer censura e sua exibição foi proibida em todo o território nacional. E Gaudêncio foi afastado da Fundação Padre Anchieta, entidade mantenedora da TV Cultura.

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Thomás Toledo é brasileiro, latino americano, humano e graduado em Comunicação Social/Jornalismo
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