Serena o céu; lágrimas?
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Quantas lágrimas roladas sobre rostos conhecidos e desconhecidos? Mares de lágrimas sem fim… São mais de quinhentos mil sonhos enterrados. Meio milhão! Lágrimas brotam de almas doridas que se juntam em famílias; que se juntam em correntes de orações e pesares. Gritos e gemidos em corredores, travesseiros e cantos. Gotas de lágrimas molhadas e secas? Nunca as vi brotar. Noss’alma ressecada de choro, nossa tristeza inaudível nas estações roladas dos anos que voam no calendário. Envelheci. Entristeci. Abraço a tristeza com o abraço homeopático de alegrias minguadas. Não imaginava viver dor assim, a reboque de uma tempestade de incertezas. O sol só volta ao Sul no final de setembro. Ainda, sol encolhido no frio, ofuscado por uma neblina encorpada e densa sobre montanhas. Chuva fria e fina. Que região bucólica! Noite friorenta e alguma umidade. As flores do vaso murcharam, se recolheram tristes e desidratadas. É o ciclo, nada a fazer contra o ciclo. Minha pele: ressecada, desidratada, encolhida, com linhas de expressão cinzentas; às vezes ensolaradas. Expresso-me em palavras que definem sentimentos meus e alheios. Sou triste, mesmo, desde que nasci. Sou uma leve silhueta amarelada e encorpada que caminha com os olhos pelas estradas e ruas desertas. Um burburinho ali, outro silêncio mais adiante. O mundo se tornou turvo, perplexo, confuso, enevoado. Minhas lágrimas não são fortes. Lágrimas incontidas são de angústia suprema. Da angústia, quero distanciamento. Afago minhas fraquezas para torna-me forte. Lágrimas suaves me bastam, pois correm lentamente, suaves, em tristezas legítimas. Indubitavelmente, apego-me às orações para que lágrimas corram vagarosamente. Rezei pai-nosso e credo. Lembrei-me de rezar o credo. Estou implorando aos céus que nos livre do demônio. Creio em Deus-pai todo poderoso, criador da terra, dos seres, da flora, da fauna, do universo. Insone, rezo novenas e trezenas. “Humildemente vos suplicamos que nos auxilieis, a nós e a todo mundo, nas aflições…” Aflição aflorada pelos limites da condição humana. O tempo corre, minha vida caminha ao passo do tempo, não de minhas vontades e desejos. Sinto falta de um telefonema familiar. O telefone toca nos meus sonhos. Aquela voz maternal, ritmada, musical. É o infinito da vida reverberando no sono profundo, reparador. Meu inconsciente guarda doces e ternas lembranças. Lembrei-me da toalha de linho, antiga, amarelada, sobre a mesa da copa. Dias de reuniões familiares e risos soltos. Casa cheia, correria e gargalhadas guardadas nas paredes brancas, no muro vermelho, no chão de ardósia… Sinto o cheiro do guarda-roupa, das gavetas do armário e da louça. Silêncio e paz; o ciclo se cumpriu, naturalmente. O demônio, solto por aí, visível a olhos nus, ceifa sonhos que se curvam, sem manter nenhum segredo da morte… Não temos tido tempo de chorar, enquanto se apagam as luzes. As ruas se exaltam de protestos. Grito por mim e pelo outro. Temos sido menos egoístas e gananciosos, com menos afagos ao ego? O egocentrismo é inútil e perverso. Perdi-me no círculo deste texto. Perdoem-me os leitores. Tenho momentos de criatividade e infertilidade. O sol marca seu compasso e ritmo. A neblina densa engole as montanhas. Serena o céu; lágrimas? Nuvens cheias. Tempo de recolhimento do sol. Visto-me com cobertores. Espero o dia virar de lado, a escuridão penetrar no céu, para me recolher nas trezenas. Senhor, pai de misericórdia, “dá ao rei Teus juízos, e Tua justiça aos filhos do rei. Ele julgará ao Teu povo com justiça, e aos Teus pobres com juízo. Os montes trarão paz ao povo, e os outeiros, justiça. Julgará os aflitos do povo, salvará os filhos do necessitado, e quebrantará o opressor.” É mais de meio milhão de mortos, Senhor!