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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Para o Estado a pandemia acabou?

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Reflito e repudio o fantasma do meu refluxo; maldito estado permanente! Serenou lágrimas nos olhos cor de folha verde, da maninha. Pão-de-queijo, pastel de camarão, queijo, café, peixe frito, suco de graviola, pão de mel (de mel não tinha nada, era chocolate, doce-de-leite e canela): saí da dieta com peso na balança; minha consciência é pena, comparsa da gula. Não escondi pedaços de doce no bolso ou guardanapo. Música tétrica amaina minha ansiedade. Insônia perambula pelos cômodos da casa. Parou de chover; estio nos meus olhos… Seguro a ponta da lágrima na força da teimosia. Cabeça vazia, infertilidade solta. Cabeça nas nuvens, pés no chão. Vocábulos e expressões fogem dos meus discursos. Silencio vacilos com desculpas ou pausas. Tenho que respirar para falar. Não me lembro de fulano nem de beltrano; sou um zero à esquerda em guardar nomes de pessoas, ruas e estabelecimentos. Pesquise-se no Google, quando foi criado o primeiro palito de dente, fósforo, pólvora ou pedra. Repositório inútil de exercício mnemônico não é conhecimento, é decoreba. Os tempos das Enciclopédias Vivas já passaram. Esqueço-me. Esquecer é fazer questão de não lembrar, não revirar a memória numa busca desenfreada. Um comprador me perguntou se conheço fulana. “Mora na mesma cidade. Não é possível que nunca ouviu falar!” Esqueci, não faço questão de me lembrar. De fulana, minha memória seletiva, deletou. Não me lembro o nome do comprador, diferentemente de esquecer o nome dele. Passo a mão nas capas dos livros. Não me recordo do exato momento em que foram produzidos, nem me lembro das revisões, registros, impressão, lançamento, evento… Não me lembro nem dos conteúdos dos textos. Não me esqueci, só não me lembro. Suco de graviola? Gostei de jeito nenhum. O garçom foi tão carismático que não tive coragem de falar que não gostei. A forma de abordar faz a diferença. “O sabor é exótico, meio azedo. Gostei de experimentar”. Em compensação, o discurso pedante (eu escrevi topetudo, mas me lembrei do vocábulo “pedante”, antes de finalizar a frase) da doutora, aquele que, se o tratamento não alcançou o resultado, é porque o paciente fez errado… O discurso do pedantismo é discurso decorado. O comandante quer liberar o uso de máscaras na rua. Medida que mostra um desserviço à saúde! Já me acostumei com a vestimenta no rosto. Não me sinto segura, para não a usar. Galhos de árvores balançam com o sopro do vento. Estiou. Faz um calor medonho dentro de casa. Lá fora o forno está ligado. Dispenso estátuas, bustos e homenagens. É muito cacique para pouco índio. Acordei com o corpo em frangalhos. Não foi vinho, foi ouvido entupido. Não falo mais a palavra: foguete, o rapaz não entendeu a metáfora. Não era paródia, era pastiche. Ninguém fez questão de entender a diferença. Choro de criança, latido de cachorro, canto de passarinho, vida que pulsa lá fora. Da varanda do quarto, visualizo a rodovia. Movimento monótono, um carro atrás do outro. Prenderam carro e motorista bêbado. Assombração aparece para todo mundo. Céu com nuvens esparsas, sol surge e ressurge. Quanta infertilidade traz estas linhas? O quadro na parede é de Nossa Senhora da Paz (é de, é diferente de, é da), ao lado, uma mulher despida. Sagrado e profano. Tenho dó do menino que chora todo o dia. Não vai para a escola, é a “pandemia”. Mas vai à praça, rua, casa contígua, praia, casa dos avós, aniversários, casamentos. As aulas serão presenciais, a partir de novembro. O livre arbítrio acabou, ou vai ou não terá aula virtual. Não posso opinar. Quem sabe testar os alunos e funcionários toda semana! É muito teste e muita insegurança! Eu não sei prever o futuro, nem sei se vou viver amanhã ou o resto da tarde ou da noite. A morte é soberana, indubitavelmente. Eu nem deveria dizer que a infertilidade e insegurança são motes deste texto mal engendrado, infértil. Quando sinto infertilidade, é na onda da infertilidade que me refaço. Amanhã, quem sabe, lembre-me de temas mais atraentes. No momento é isto. Com decretação de aula presencial obrigatória, busco informações sobre o número e a média de casos e de mortes das últimas 24 horas. Parecem altos ainda! Para o Estado a pandemia acabou?

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Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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