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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Chove, chove, chove até…

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Enxurrada. Contaminações. Acidentes. Mortes. Choro, grito, desespero. Alagamentos severos. Borboletas e pássaros em silêncio e reclusos em algum canto da de telhado. Estou silente, reclusa entre quatro paredes. Pingos generosos de chuva invadem casas e estradas. Cheiro de comida. Frango assado com batatas e cebolas no forno. Noite de sonhos conturbados e molhados. Chuva entra pela fresta da porta da varanda. Mofo, lodo. Duas embarcações atingidas por colapso de paredão de pedra em Capitólio, Minas Gerais. Essa pedra iria cair. Essa pedra caiu. Fez vítimas. Ai, meu Deus! Grito, choro, desmaio, feridos, mortos e desaparecidos. Câmeras em alerta, leitores compartilham imagens da tragédia. Leitores se solidarizam, opinam, brigam, rebatem comentários de “eu avisei”, o vidente avisou, a defesa civil avisou. Que dor espiritual! Virou obrigação viajar em janeiro? Virou obrigação ser feliz? Chuva castiga, inunda, desabriga, mata. Depois de 2020 acostumamo-nos com desolações. Início do ano, rompimento de barragem, engarrafamento, chuvas intensas, temporais, móveis boiam pelas ruas, pedaços de asfaltos rolam pelas estradas; encostas e paredões rolam ladeira abaixo. Boiam sonhos e planos. Lamaçal em estradas de terra, crateras em estradas mal asfaltadas. Nunca vi tanta lama, barro e choro. O telhado da casa do vizinho não apara chuva. Entra água na casa do amigo, parente, conhecido, desconhecido…

Tenho medo da chuva… Tenho saudade do sol. A água do chuveiro não esquenta! O cheiro é de mofo e de casa fechada. Dias sem cor, brilho, sol; dias e noites transparentes e nevoentos. Há tempos não vejo nenhum raio do sol. Gripe me derruba, mal posso respirar, conversar; coriza intensa. Olhos lacrimejantes, dor no corpo, febre, frio, tosse, rouquidão, calafrio, fadiga… H3N2. Vírus potencializado corre pelo mundo. Influenza: A, B ou C. Outra cepa do subtipo A. Isolo-me no quarto de leitura, mas confesso que o barulho incessante ou repicado da chuva, atrai minha atenção. Música monótona contínua. Estou constipada; a médica pediu-me para ficar em casa. “Não é seguro caminhar em ruas encharcadas pelas águas da chuva. Não é seguro andar sem máscara. Não é seguro entrar em aglomerações.” Isolo-me. Isolar-se é prova de vida, de resistência, de bom senso. Quem diria que se isolar é prevenção à morte? Colombiano se despede da vida pela eutanásia. Ele sabia de sua dor diária de viver degeneração contínua e progressiva. Lutou pela morte. Farpas entre presidente e artistas famosos pela Lei Rouanet. Quanta pedrada, pancadaria, ataques e palavrões? Nunca imaginei que quase toda a gente do governo fosse brigar com artistas. Esses conflitos públicos empobrecem a cultura com troca de farpas, palavrões, xingamentos, expressões chulas… Quanto tempo e energia perdidos para revidar ataques, potencializando polêmicas e simpatizantes. Barulho de ambulância, corpo de bombeiros, defesa civil. Deslizamento de encosta na estrada. Acidentes nas rodovias. Abro a porta da varanda. Espio o barulho; chuva cai sem trégua, sem misericórdia. Estrada e montanhas neblinadas. Trânsito congestionado. Gente deprimida. Gente que perdeu a vida. Gente que morreu. Gente que perdeu casa, comida, emprego, família e pertences. Quantos vírus circulam no ar. Quanta mutação. Defesa Civil alerta a população: risco de acidentes, enxurradas, enchentes, deslizamentos de encostas, rompimento de barragem. Meu cabelo cai no ritmo contínuo da chuva. Envelheço; talvez as pessoas estejam mais jovens e eu mais velha. “Senhora, bom dia. A senhora está satisfeita? Em que posso ajudar, senhora? A senhora gosta de calça de brim ou de malha? A senhora tem preferência por qual gênero textual?” Não me acostumei com esse tratamento senhoril. Acostumei-me com as águas que caem do céu feito alfinete ou canivete. São Pedro está de férias prolongadas; ninguém substitui o santo das torneiras abertas. Rios cheios. Águas furiosas triplicam a vasão do Ribeirão do Carmo. Que não transbordem. Detesto passar noites insones, tampouco gosto de tomar indutores de sono. Detesto alegrias sintéticas. Detesto publicidade de palavrões e cenas de violência. Detesto o descaso. Detesto a estupidez e a indiferença. Detesto meus períodos de infertilidade e de tristezas. O ano mal se despontou e lá vem enxurrada. O ano mal se despontou e lá vêm pedradas, lama, atingidos ou desabrigados pelas chuvas; sistema de saúde, defesa civil e bombeiros em alerta. O ano mal se despontou e, nada de leveza, prosperidade, alegria e colheita farta. Viver é perigoso. Viver é travar guerra diária contra a morte. Queria falar sobre o estardalhaço do canto das maritacas, mas quando vejo neblina alta, enxurradas, mortes e violência, meu Deus, nada além da bruma me desenha, nem um pio da poesia… Chove, chove, chove, até…

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Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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