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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Metaverso, sonho e realidade

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Crédito da imagem: “Museo del Metaverso 017” by Roxelo Babenco is licensed under CC BY-ND 2.0

Em outubro de 2021, o Facebook resolveu mudar de nome. Agora, a empresa se chama Meta. A mudança é uma sinalização do interesse da empresa em investir no desenvolvimento de uma nova forma de conectar pessoas, através do metaverso. Segundo a Wikipédia, metaverso é “um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de “realidade virtual”, “realidade aumentada” e “Internet””. Para a Meta, esse será o futuro da interação social mediada por tecnologias digitais. O fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, divulgou uma carta e um longo vídeo detalhando a proposta. Essa aposta está dividindo opiniões, principalmente pela queda na credibilidade da empresa, que nos últimos anos enfrentou diversos escândalos relacionados à privacidade e ao uso de dados pessoais dos usuários. Em geral, os críticos também consideram que a proposta ainda vai demorar muito até apresentar resultados palpáveis.

Em outras palavras, o principal problema da proposta é a credibilidade do proponente. Talvez se fosse outra empresa, a recepção fosse mais positiva. Por isso, inclusive, uma das principais bandeiras da proposta é a abertura para colaboração. A ideia é que seja algo como a própria internet, uma estrutura aberta sem um dono, na qual todos podem desenvolver suas próprias estratégias. Ainda é cedo para dizer se eles vão conseguir engajar a comunidade de desenvolvedores e os usuários comuns. Mas, analisando a proposta da forma mais imparcial possível, não chega a ser um exagero imaginar que um dia vamos preferir interagir através de avatares representando nossos corpos em ambientes virtuais simulando nossos escritórios, escolas ou consultórios. Afinal, quem imaginaria há 50 anos, por exemplo, que estaríamos em grupos de família, trabalho ou estudo em uma plataforma como o WhatsApp?

O sonho de uma segunda vida digital já tem pelo menos 18 anos. Foi quando surgiu o Second Life, um lugar na rede em que dava para frequentar aulas, ir a festas, namorar e fazer compras. Por lá, nossos avatares eram representações digitais de nossas fantasias e desejos, um prato cheio para os psicanalistas. Na época, não existia a velocidade e a capacidade de processamento que temos hoje. Por outro lado, os desenvolvedores não conseguiram implementar os avanços que a comunidade de usuários solicitava. Tudo isso, somado a alguns abusos por parte de alguns usuários, foi afastando as pessoas e a plataforma foi sendo esquecida. Apesar disso, um número razoável de usuários permanece ativo ainda hoje.

Os desafios da implementação de um metaverso funcional são inúmeros, incluindo desde questões relacionadas à privacidade dos usuários até a própria dificuldade de criar ambientes e dispositivos de acesso. O polêmico empresário Elon Musk, por exemplo, acha mais prático implantar chips em nossos cérebros do que ficar usando capacetes e óculos de realidade virtual. Mas o desenvolvimento desses chips é ainda mais complexo e tem o desagradável inconveniente de precisar usar animais em seus testes. Além disso, imagine a complexidade de retirar o chip se o usuário mudar de ideia. Nesse ponto, os óculos VR são mais práticos, pois basta tirar do rosto.

Não são poucas as obras de ficção que tentam desenhar como seria esse futuro: filmes como Avatar, Jogador Nº 1 e a clássica franquia Matrix, que recentemente ganhou mais um capítulo. Nesses filmes, o problema não é mais como entrar no metaverso, mas, sim, como vamos conseguir sair dele. Ou melhor, se vamos querer sair dele. Em geral, as tramas embaralham nossa forma de perceber o que é real e o que é virtual. A definição do que é real ou não é um dos problemas filosóficos mais antigos, pelo menos desde a caverna de Platão.

O grande atrativo do metaverso é o fato de ser uma experiência compartilhada. Não são apenas simulações da realidade, como a maioria dos games, em que, em geral, interagimos com personagens e situações artificiais. No metaverso, poderemos interagir com amigos e com desconhecidos que também existem no mundo real. Ou seja, a experiência social no metaverso pode ser uma experiência social real, com consequências em nosso mundo físico. Por exemplo, uma reunião de trabalho no metaverso pode implicar em uma promoção ou mesmo em uma demissão. E, em geral, o dinheiro que ganharmos no metaverso também poderá ser usado para comprar coisas no mundo físico. A proposta de metaverso da Meta pode afetar áreas como educação, games, esportes, comércio, entretenimento e trabalho. Ainda não é possível confirmar a viabilidade do uso cotidiano da plataforma, seja pelo custo ou pelas dificuldades de implementação. Pode ser, inclusive, que a implementação do metaverso aconteça por outras mãos. Mas é inegável que a possibilidade existe, principalmente quando olhamos a velocidade de popularização de outras tecnologias. Por exemplo, se olharmos o tempo que o celular levou para se popularizar e compararmos com a velocidade em que outras tecnologias – como o computador pessoal ou a tv colorida – atingiram a mesma popularidade, constatamos que as mudanças estão mais rápidas.

A forma como nos comunicamos muda a nossa forma de ver e sentir o mundo. Da mesma forma que a cultura escrita e os meios de comunicação eletrônicos (rádios, telefones, televisões) ajudaram a criar uma nova forma de enxergar o mundo, a comunicação digital também traz mudanças profundas à medida que se populariza. Na filosofia contemporânea, para alguns autores, parece sensato reconhecer a realidade como um tipo de consenso, sem o qual não conseguimos sobreviver em sociedade. Existem pessoas que preferem duvidar do formato da Terra e elas conseguem encontrar outras pessoas na internet com quem podem compartilhar essa discutível visão de mundo. Assim surgem as bolhas que agregam pessoas com visões de mundo semelhantes.

Como disse Yoko Ono, compartilhar um sonho pode transformá-lo em realidade. Em tempos de verdades alternativas e de bolhas informativas, pode causar algum desconforto a possibilidade de trocar nosso mundo físico por fantasias digitais. Mas acredito que o desafio não está na forma, nem no meio que vamos usar para compartilhar nosso sonho de sociedade. O desafio está no próprio sonho, no ideal que queremos construir juntos. Ou seja, ainda nos resta sonhar juntos, aqui ou no metaverso.

Este texto foi originalmente publicado no blog Oficina de Linguagens Digitais.

Picture of André Stangl
André Stangl é filósofo e educador digital, Doutor em Comunicação (ECA/USP) e Coordenador da Oficina de Linguagens Digitais
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