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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Ritmo da diversidade e do respeito

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Incomum som no quintal. Uma cantoria inusitada desperta minha manhã de sol brando. Cantos de louvores à amizade entre dois animais distintos. Um cãozinho de idade e um jovem pássaro soprano comungam essa manhã. Os dois pulam, um em direção ao chão, outro rumo ao céu. ‘Posso voar, pássaro”? Pergunta o cão, timidamente. ‘Sim, pode voar’. Responde o pássaro. ‘Posso caminhar no terreiro, fazendo de conta que tenho patas, cão? ‘Sim, você pode’. ‘Nós podemos tudo, juntos…’ Levantei-me com essa orquestra dialógica em sintonia. Os animais me emocionam e tocam profundamente; é o milagre intransponível da vida. Deus e seus mistérios: a terra em movimento; em movimento, em movimento. Poesia e arte em ação contínua, sem burocracias e entraves. Animais comungam suas expertises e idades distintas, sem concorrências desleais. Quem dera se as relações humanas fossem assim: sinfônicas, sintonizadas no respeito à diversidade e à saúde das relações. Diversos são meus pensamentos ao testemunhar o canto do cão e o latido do pássaro. Valha-me Deus! Que milagre! Isso é poesia para meus ouvidos e retinas fatigados. De tanto atender burocracias genéricas das letras e culturas, perdi o fôlego para capturar as singelezas da poesia. Passamos por provações, perseguições e provocações, diariamente. Ninguém pode ser objeto de negligência e discriminação por ser idoso… O estatuto é uma conquista da geração de ouro. Geração que não se curva às mazelas e dificuldades da vida. Geração que trabalha de sol a sol, de chuva a chuva; de tempos fartos, de tempos de dificuldades e misérias… Eu sei, prezados idosos, a perseguição é cruel; o desrespeito é notório, a geração papel-de-seda ou polegar é incapaz de produzir conexão entre as gerações. São tresloucados, onlines  demais, sabem de tudo, falam de tudo, cobram de tudo, se irritam com tudo, colocando defeito em tudo… Comem fast-food de segunda a segunda, porque não têm tempo para sentar-se à mesa para degustar os alimentos; não têm tempo para viver, não têm tempo para cozinhar, não têm tempo para conversar, não têm tempo para dialogar, não têm tempo para escutar, não têm tempo para rezar… Creio, prezados idosos, que a geração papel-de-seda está perdida no meio do caminho, apanhando pedras de encostas rochosas, para plantar minério em terrenos frutíferos. A geração polegar se esqueceu da textura que os compõem, do sangue que os compõem, dos conselhos e exemplos que compuseram seus ensinamentos. A geração papel-de-seda mal sabe ler, mal sabe falar, mal sabe interpretar, mal sabe escrever, mal sabe as operações fundamentais da matemática. A geração de ouro é que movimenta o universo. A geração de ouro é que sabe questionar, sem ferir e atacar. A geração de ouro sabe dividir e multiplicar. Olhei para o céu. Pausei minhas emergências. Carrego essa tradição dos meus pais. Observar o céu. Observar o movimento da natureza. Capturar os ensinamentos e exemplos dos ascendentes; repassar as consequências das boas ações para os descendentes. Quantas memórias preservei. A professora me deu a chave para o aprendizado. Há que se pôr os pingos nos ‘is’, cada ponto de interrogação e pausas que separam, mas ligam letras e palavras que deram vida a cada texto alinhavado. O sol acendeu o céu. Chuva? Quem sabe, amanhã ou depois. O tempo está indefinido. Meu celular toca sem parar. Não tenho assuntos para ontem, nem para hoje. Talvez amanhã. Talvez amanhã consulte minhas mensagens eletrônicas. Talvez amanhã responda demandas com prazo estipulado. Talvez amanhã aprenda a dizer: não ou sim. Talvez amanhã passe o dia inteiro no quintal. Talvez amanhã plante feijão no copo de plástico, para ver a multiplicidade  da vida. Tudo simples. Simples, o texto. Simples, as palavras. Simples, os gestos. De uma singeleza necessária para a vida fatigada e acelerada: a sintonia do cão idoso que se aventura a voar com o pássaro que se aventura a andar em ritmo desacelerado. Podemos voar? Sim, no ritmo harmonioso da diversidade e do respeito…

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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