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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Menopausa e Semana Santa

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Excepcionalmente hoje, a coluna de Andreia Donadon Leal é publicada apenas em texto

Calor. Fogacho no rosto e corpo. Ora calor, ora calafrio. Insônia persistente. Ressecamentos. Alopécia; pelos ralos no corpo. Unhas quebradiças. Rugas e pés de galinha. Olheiras. Mau humor. Inchaço. Cansaço. Retenção de líquido. Perda de memória, dificuldade de concentração. Dor de cabeça. Regras cessadas: menopausis/ménopause, junção dos termos gregos: men e pausis (cessar ou pausa das luas). Esqueci-me do evento e da reunião. Não me lembro do número de telefone do parente, amigo, da farmácia, do mercado, da clínica, da escola… Bem-vindas as facilidades das redes sociais, dos salvamentos instantâneos e adicionamentos de contatos por telefones móveis. Esqueci o nome do colega da universidade, do ensino médio, fundamental e da pré-escola. Não me recordo de momentos típicos e atípicos da época estudantil. Música monótona contínua na rua e na rodovia. Meu humor, azedado! Fome? Quanta vontade de comer um prato (esqueci a palavra!) generoso de lasanha ou bacalhoada. Queimar caloria na força da saúde física e mental, com exercícios e terapias, é meu foco. Esbaldo-me na preguiça de sair, de prosear com fulano e beltrano. Envelhecer tem seus encargos e taxas administrativas. Meu médico me receitou cremes, medicamentos, vitaminas e repositores. Exames de mama, cólon, sangue, urina, colono, ultrassom, tomografia computadorizada, ressonância magnética, cintilografia… Estou prestes a bater as botas, doutor? Não, são pílulas da prevenção, senhora. Acredito na pujança de poder conviver com esse ciclo da vida, de mãos dadas com a saúde. Amanhã, exercitarei corpo e mente, doutor. Não é segunda-feira, amanhã. É no domingo, mesmo. Intenciono caminhar, rezar, meditar, cantar, respirar ar puro. Faltam-me palavras e expressões para compor esta crônica mal alinhavada. A autora que vos escreve, convive com momentos inférteis. Semana passada falei sobre livros, por uma chance à leitura e à literatura. Hoje cuido da arte de saber envelhecer. Rezo com mais fervor. Vivo devagar, sem ânsias e emergências. Não tenho pressa ao viver. Cada instante é para celebrar mais um dia. Oro. Oração abre caminhos, fecha feridas, renova esperanças. Minha inspiração de ontem foi recolher parafusos, erva-daninha, retalhos, panos pendurados no varal e retratos de família e amigos. Colo imagens em álbuns específicos. Olho e reolho instantes festivos. A gente sorria de canto a canto; olhava nos olhos, abraçava com mais entusiasmo. A gente parava para prosear com pais, amigos e irmãos. A gente celebrava cada fase da vida com fartura de gente. Na maturidade, menos gente em casa e em pequeno círculo de amigos. Uns mudaram, alguns desapareceram, outros foram embora da vida. Ciclo que vai, ciclo que ainda fica, ciclo que se renova. Esquenta e esfria. Chove e resseca. Anoitece e amanhece. Calor findando. Depois da semana santa, esfria. De noite, temperatura baixa. Tiro o cobertor do guarda-roupa. Cubro. Tiro a coberta no meio da noite, quando as ondas de calor invadem meu corpo. Cidade enfeitada de panos roxos nas sacadas das casas antigas. Santos cobertos de pano roxo; tradição antiga e piedosa da paixão de Cristo. Minha penitência é amar os inimigos. “Ouçam todos. Amem os vossos inimigos. Façam o bem aos que vos odeiam. Orem pela felicidade dos que vos amaldiçoam. Pensam que merecem elogios só por amarem os que vos amam? E se fizerem bem somente aos que vos fazem bem, o que tem isso de extraordinário?” (Mt. 5.39-42). Vigília diabólica das más vibrações ativam nossos ódios. Afastamento da essência humana ativa mágoas e ressentimentos; ausências de fé, compaixão e benevolência. Falta de empatia, amor, respeito e solidariedade às coisas da natureza, despertam nossos monstros. Amar ao próximo como a ti mesmo é saber exercitar o amor pela harmonia. Vivemos tempos difíceis, marcados por mortes violentas, por ódios estrondosos, ações explosivas em prol de poderes gananciosos. Sol abrandado dá lugar ao crepúsculo. Sol esmaecido pelas sombras noturnas se despe da luz. Noite lança véus escuros pelo céu. Noite de lua miúda. Luzes de farol de carros iluminam a estrada. Luz e escuridão confluem sem guerras e disputas, no giro perseverante do ciclo. Que o exemplo da boa convivência entre luz e sombra, do amor de Cristo aos inimigos, nos faça seres extraordinários. E que cada época seja vivida com poeticidade e aceitação, incluindo esse calorão que sobe pelo meu corpo, os pelos cada vez mais finos e falhos na pele, as marcas no rosto e meus passos lentos e miúdos. Amar a maturidade, com a mesma pujança da adolescência tem sido, também, minha extraordinariedade. O abraço do frio suaviza meus calores noturnos. O calor humano é sol nos meus dias de solidão. São estes, creio, os arranjos divinos de cada ciclo…

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Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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