De outros carnavais
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A avó floresceu. Às vésperas da sua festa preferida, reclamou de uma dor de cabeça que a incomodou por todo o dia. A neta deu-lhe um abraço forte. Era assim que aquela senhora de cabelos cor-de-nuvem curava as pessoas que amava. Sabia bem dos poderes da matriarca. “Ela é pra sempre”, afirmava para si como um mantra. Porém, naquele dia, percebeu que alguma coisa acontecia fora dos domínios dos poderes daquela mulher. Procurou os olhos da avó que sorriam diferentes, entendendo os desejos da menina. Grata por isso, sem demora, aceitou o carinho da herdeira, ficando um bom tempo dentro do abraço aconchegante. Porém, a neta a sentiu escapar aos pouquinhos. Correu para o quarto.
A casa ficou aberta. O chorinho tocava baixo, enquanto as vozes entoavam saudades. Lembranças da chegada, da rua que se abria pelas mãos fortes de quem precisava encontrar morada. Tudo ali contava com a sua força. Confluência de sentimentos que se estenderiam memoráveis nos dias que misturavam todas as cores. E, assim, no cantinho de um jardim, sua ancestralidade floresceria para sempre, inclusive, em todos os carnavais. Tantas foram as histórias que se entrelaçaram até a formação da agremiação que dava nome à matriarca. Encantou-se depois do sonho realizado.
No dia seguinte, todos os acordes comunicaram o amor, a saudade e o orgulho do encontro com ela. Momento catártico na apoteose. Os anos passam. Na avenida, cantar a luta e as dores vividas, vitória efêmera, talvez, mas grito cortante voltado ao mundo. A neta louvando: “Salve, salve, nossa mestra guerreira! Livrai-nos, Senhor, das prisões sociais!”. Minutos concedidos às vozes surdas do cotidiano. Nada pode escapar ao planejado. Cadência, integração, harmonia.
Tempo.
Se Chronos brinca com os ponteiros, a bateria inflama ainda mais a plateia, porque é o coração da escola pulsando até quase se arrebentar na ansiedade de completar a missão.
Espetáculo tão aguardado pela arquibancada e camarotes. Vibrações positivas entre copos e cliques imediatos.
Holofotes.
De algum ponto distante, outro coração pulsa no mesmo compasso da bateria e tem os mesmos olhos atentos de quem conta cada segundo que o deus acelerou. Se, no início, os pés deslizavam na imaginária passarela, agora, estão inertes, apreensivos, porque a vista alcança, aflita, somente a cena projetada pela tela arredondada da TV de tubo. “É preciso dar certo”, pensa a garotinha. No seu entendimento, vê sua comunidade refletida ali, revelando ao mundo os seus pares. Pula de novo na sala. Reacende a esperança de vitórias ainda não sonhadas, sem pés descalços no asfalto e marquises nada alegóricas.
Passa o cordão. A escola vence o tempo e incendeia a plateia. Num lance, o seu sorriso encontra o outro que se mostra dentro da tela, daquela menina fiel à sua ancestralidade. Encontros possíveis. Sinergia. É a magia da noite de carnaval.
Crédito da foto: Carta Capital