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Hoje é domingo, 24 de novembro de 2024

Quanto racismo devemos aceitar?

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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O colega colunista na Primaz, Júlio Vasconcelos, publicou umas “Reflexões a respeito do blackface” aqui nesse veículo. Repercute o lamentável gesto, entendido como racista, protagonizado por estudantes que se pintaram para parecer engraçados com a pele mais escura, prática conhecida como “blackface”, em uma festa “tradicional” chamada de “Miss Bixo”. Pugna por certa desmedida da reação. Argumenta que há uma tradição racista. Fala de blackface, mas também menciona escritores (cita Monteiro Lobato) e reflete sobre o que podemos fazer com a manutenção do racismo entre nós: queimar os livros de Monteiro Lobato? Punir severamente os racistas?

Gostaria também eu de fazer algumas considerações sobre isso. Termos tradições que violam os direitos e a integridade física e mental das pessoas é algo vergonhoso e não devemos ser lenientes em superá-las, muito menos querermos normalizá-las porque vêm de longe. Pelo contrário! Devemos superá-las ainda mais brevemente, pois já causaram dano mais do que suficiente. Até quando esperaremos? O machismo é outro grave problema “tradicional” da nossa sociedade.  Isso gera danos mentais e físicos, até mesmo a morte todos os dias. Seguindo o argumento do colega Júlio, então, deveríamos ser tolerantes com um marido que grita e aterroriza a esposa só porque ele não está atualizado e segue agredindo e considerando a “sua mulher” uma posse? Deveremos conversar com ele, tentar educá-lo para não agir criminosamente e seguir insistindo nisso, mesmo que ele continue agredindo de novo e de novo, quem sabe até o dia em que ele mate a sua vítima? Devemos ser tolerantes e não punir os machistas, pois eles não sabem o que fazem? Minha resposta é não. Devemos fazer todo esforço educativo para que as pessoas não cometam crimes como esse. Certo! Mas, caso sejam machistas, devem ser punidas com o rigor da lei e não agraciadas com uma conversa agradável. A punição, aliás, não deve ser vista como vingança, mas oportunidade de orientar e educar a sociedade sobre a gravidade de nossos atos e suas consequências. Essa situação, se considerarmos a LGBTfobia, vai nos dar exemplos igualmente dramáticos e cujo enfrentamento é urgente e inadiável.

O mesmo vale para esse caso lamentável que tivemos em Ouro Preto. O racismo não só causa desconforto e dano mental às vítimas, mas serve como instrumento e legitimação para agressões e até mesmo morte. Os casos são abundantes e bem conhecidos. O racismo é institucionalizado no Brasil e está presente em toda a parte. No caso da UFOP, não é diferente. Esse caso não é isolado, mas é mais um em uma sequência que vem de longe, compondo uma tradição que não pode se manter. Para isso, a UFOP deve ter uma política que envolva a educação para as relações étnico-raciais com vistas não só a superar o racismo, mas também para que a comunidade veja e aproveite da diversidade em toda sua potência, como uma riqueza e algo desejável. A par disso, devemos ter a apuração rigorosa das denúncias de racismo e a punição de acordo com as normas existentes, pois temos a necessidade de extirpar tal prática entre nós imediatamente. A nosso ver, não colocaremos fim ao racismo jamais se seguirmos entendendo que isso é uma tradição que ainda permanece entre nós e que é normal. Racismo é crime! E, sendo o racismo algo institucionalizado, parece óbvio que só o superaremos se lutarmos pela efetiva institucionalização do antirracismo. Devemos cobrar que a instituição funcione com uma lógica antirracista no combate a esse crime, mas também com uma política de educação para as relações étnico-racionais, bem como políticas de inclusão e permanência. Não é uma coisa ou outra. Uma instituição antirracista deve mover todas as suas esferas de atuação para superar o racismo, que prejudica não apenas pessoas, mas transtorna as possibilidades de um convívio comunitário saudável e inviabiliza o melhor desenvolvimento de nossas finalidades institucionais.

Quanto aos livros de Monteiro Lobato, não me parece que devemos queimar suas obras ou algo assim. Mas também não devemos achar que as suas expressões racistas são naturais ou (ainda menos!) engraçadas. Seus livros podem e devem ser lidos e criticados, jamais para justificar que possamos ser racistas porque, afinal, Monteiro Lobato e tantos outros foram. Seguindo essa lógica absurda, deveríamos aceitar a escravidão e tantas outras coisas que figuram em obras antigas. Estudemos o passado, não esqueçamos! Mas não devemos fazer isso em uma perspectiva negacionista e tolerante com os crimes cometidos, mas para compreendê-los em suas raízes e superá-los radicalmente.

Respondendo à pergunta que figura no título, minha avaliação é não que devemos tolerar o racismo, nunca, de forma alguma. Precisamos saber que a punição pontual dos casos de racismo é necessária, mas insuficiente. Deve se combinar com uma política ampla antirracista e promotora da diversidade como um valor, um bem a ser cultivado pela sociedade e por suas instituições. De uma vez por todas, devemos assumir o alcance e urgência do que disse Angela Davis: “Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Fato!

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Fábio Faversani é Professor Titular de História Antiga, da Universidade Federal de Ouro Preto
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