Cerimônia de formatura em Ouro Preto
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Ouro Preto é uma cidade de encantos; presépio a céu aberto repleto de casarões, vielas estreitas, morros por todos os cantos e uma arquitetura de prender o fôlego. Frio cortante numa bela noite de comemoração. Céu noturno esfumaçado de vermelho-laranja e um toque discreto de roxo, numa linha tênue similar à margem de uma folha de papel. Espessa bruma no alto da montanha, sem lua e sem estrelas. Este outono tem sido de gelo tórrido embaçado. Formandos exibem suas becas com faixas vermelhas na cintura, nesse cenário de intenso frio ouropretano. Aparentemente, ninguém sente frio. Conquistas e vitórias aquecem qualquer frente fria. Conversam, antes de deslizarem sobre um tapete de acrílico com pequenas luzes amareladas. Que leveza. Uma senhora entra, discretamente, com uma criança de colo nos braços. Traja um vestido azul, com rendas brancas nas pontas de cada manga. De pé, aguarda sua filha ou parente passar pelo tablado. Ajeita o cabelo. Sorri ‘pra’ mim. Retribuo seu sorriso radiante. Tenho ímpeto de me oferecer para carregar um de seus bebês, mas permaneço imóvel, compenetrada em observá-la. Entram os formandos, um a um, sob a coordenação do cerimonial. Gritos, assobios, palmas, choro, acenos…
Gestos efusivos explicitam contentamentos de cada estudante e de seus familiares, que ao longo de quatro anos dedicaram suas vidas aos estudos. Cada um é protagonista de suas conquistas, histórias, labutas, alegrias, frustrações, choros e sorrisos. 22 anos atrás, entro pelo teatro com extrema timidez. Mãe grita da cadeira. Não tem faixa nem confetes para jogar em mim, quando passo sobre o tapete vermelho. Burburinho de euforia dos colegas de classe, enquanto meu coração batia feito um relógio descompensado. Respirei fundo para parar de tremer… A mãe desta formanda grita de contentamento, orgulho e emoção. Aguardo a entrada da filha dela, também. Supus que fosse filha, logo que ela apareceu na entrada. Cópia da mãe, de cabeça levantada e um sorriso estampado no rosto. Não era momento ‘pra’ eu chorar, comovida pela felicidade dela e da mãe. Mas tenho me emocionado com momentos especiais e vitoriosos dos outros… Supus que aquela criança era da formanda. Dormiam. Duvidei que acordaria, para acompanhar a mãe passar pela passarela. Antes de a filha chegar na metade do tapete de acrílico, a senhora de azul ergueu e balançou a criança. Antes de a formanda parar. ‘Veja sua irmã.’ Você nunca mais vai passar necessidades’. ‘Viva, Catarina!’ ‘É minha filha!’. Esta é minha filha!’
Eu falava no mesmo tom da mãe da formanda: ‘ Viva, Catarina!’
Lembrei-me de mãe. Do aceno e dos gritos. Das palmas potentes. Do meu choro represado, engolido pela timidez. Não tinha faixa, nem confetes, nem cornetas. Tinha o grito de mãe feito esta mãe, que se destacava na plateia, mais do que confetes, cornetas e faixas. Olhei ‘pra’ ela, sorri, chorei, levantei a criança que sorria no meu colo, apontando para a irmã Catarina. Passei a eternizar conquistas, depois da formatura de 2002. Tudo se repete, por coincidência ou não, depois de duas décadas. Dessa vez, desinibida em poder compartilhar a emoção do outro. Reavivei minha formatura. Lembrei-me da alegria viva de mãe, da expressão de pai, sorrindo e chorando, do jeito dele. Era um dia frio, embaçado, com uma borda roxa nas paletas vermelhas e laranjas do céu ouropretano. O frio ganhou asa. Meu sorriso ganhou reforço. Minha emoção ganhou brilho e reforço. Quando Catarina recebeu o diploma, eu e a mãe dela estávamos de pé, gritando: ‘viva, Catarina!’. Dividi uma boa dose de felicidade com a mãe dela, com a criança filha de Catarina, com Catarina, com tantos desconhecidos. Uma cerimônia de formatura deixa um aprendizado para a vida inteira: saber comemorar as vitórias conjuntas, na grandiosidade de um sentimento genuíno que une pessoas no desejo de querer ver o outro prosperar…