Sobreviver à barbárie
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De que são feitos os monstros que caminham com duas pernas pelas ruas ou redes sociais? De que matéria é feita o ser “humano”? Que massa nefasta compõe os sentimentos obscuros e nebulosos do homem? Episódios horrendos comprovam que estamos ficando potencialmente doidos pela perversidade, retornando à época das cavernas, à época das barbáries, à época dos monstros. Grosso modo, o homem era tacanho em épocas priscas, o que justifica suas práticas rústicas nos primeiros passos da história da humanidade: dente por dente, olho por olho, tudo em nome da sobrevivência. Hoje, a cultura, a educação e a informação estão ao alcance de todos, a um clique, a uma visada de tela… Rico, pobre, culto ou inculto. Negro, branco, pardo.
Quanto ao ódio cotidiano que corre nas veias de neuróticos declarados ou adoradores da violência, que cospem seus ódios em ofensas ou partem ‘pra’ cima de seus oponentes desferindo socos, palavrões, assédios, pontapés, facadas e tiros, em nome de partidos políticos e de falsos mitos, tudo indica que veio à tona a época de rusgas e de incivilidade, em forma ou fôrma de mito do ódio, da violência, do olho por olho, dente por dente. Mito é Cristo! Mito é Shakespeare! Mito é Beethoven! Mito é Machado de Assis! Mito é irmã Dulce! Mito é Cecília Meireles! Mito é quem trabalha de sol a sol, recebe salário-mínimo, estuda em busca do conhecimento, cria e educa seus filhos, cuida de seus pais, respeita os vizinhos, levanta a bandeira da paz, sabe defender seu ponto de vista sem impor, ferir ou humilhar o oponente. Mito é quem sabe respeitar e conviver com a opinião alheia e se enriquece na divergência. Toda unanimidade é pobre, cega e burra. Quem pensa com a cabeça dos outros não precisa pensar. Mito, nos dias de hoje, é quem não responde a provocações, a ataques de ódio político nos ambientes sociais ou presenciais…
Que sociedade é essa, que mata, agride, atira, violenta, esfaqueia, estupra? Que sociedade é essa que rodopia no sangue e na dor alheia? Prefiro ser borboleta, planta, pássaro, chão ou móvel infestado de poeira. Que sociedade é essa, meu Deus, que humilha quem está do outro lado do aprendizado? Faltam alguns meses para a guerra começar a esquentar. Tenho medo do que vem por aí. Tenho pressentimentos que não me atrevo a compartilhar nem a narrar. Estou apreensiva e com medo; não posso falar, opinar, publicar minhas divergências ou contestar os extremistas. Tenho medo de caminhar nas ruas. Tenho medo de quem anda atrás de mim. Tenho medo dos alterados, tenho medo dos nervosos e valentões; tenho medo dos extremistas, tenho medo de quem não sabe respeitar a opinião alheia. Que legião é esta que não respeita nada e ninguém, nem o juramento na hora da formatura? O que passa na cabeça de quem fez o juramento para defender a vida do outro? Se médico, se polícia, se professor. O que espero do professor é ensinamento, companheirismo e aprendizado. O que espero do policial é proteção! O que espero de um profissional da saúde é cura ou tratamento de dores ou comorbidades. O que espero de um líder? Exemplo e respeito às leis, às pessoas, à vida das pessoas, às liberdades. Que tenhamos incitadores da paz, do diálogo, do respeito às opiniões divergentes. Quem dera fossem estas as incitações! Que tenhamos líderes que sejam exemplos de paz, de respeito à constituição, ao dinheiro e à coisa pública. Sei que este país, ainda, não deu certo. Liberdade acima de todas as repressões. Respeito às opiniões contrárias acima do ódio e do extremismo. É pedir, demais? Que os pássaros e as borboletas possam nos ajudar nessa árdua missão: sobreviver à barbárie que ronda o romper dos dias atuais.