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Hoje é sexta-feira, 22 de novembro de 2024

(Des)conectar

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Photo by Mateus Campos Felipe on Unsplash

Desperta o dia pelo aparelho celular. Pontualmente, a maquiagem e o penteado certos para cada ocasião. Uma reunião, um encontro, o trabalho sem grandes surpresas, um dia de muita expectativa, tudo, tudo planejado com grande disciplina. A vida ao vivo pelas redes sociais.

Toma o café com os olhos fixos na tela. Corações subindo. Muitos corações pulsando à espera do que ela revelará. Gravidez, um novo amor, herança recebida, projeto de vanguarda? Centenas de comentários e ela toma o café, passa a geleia vegana na torrada zero calorias. “Gente, isso é muito bom. Coloque aí o seu comentário, se você já experimentou essa combinação maravilhosa.”. Do outro lado, pessoas acessando o link para a compra da comida sugerida.

Agora, o cabelo. “Como pode acordar tão bela assim?”, alguém escreve e a tela é invadida de carinhas brotando corações. Segue então o tutorial do cabelo, a rotina da academia, das roupas certas para os dias de muito sol, chuvosos ou nublados e vários links para que todos os seguidores fiéis tenham acesso ao que há de melhor. Olha para o relógio na parede. Tenta se apressar, evitando demonstrar qualquer tipo de desconforto diante da tela. Fotos descontraídas na saída da garagem. Para no sinal. Sabe que não fugirá do engarrafamento. Aproveita o momento oportuno para uma live. Frases de motivação. Abre um livro aleatoriamente. Lê uma mensagem. Tece comentários, enquanto o trânsito engatinha na manhã quente. Antes que tudo desembole dentro de minutos eternos de espera, confere o número de seguidores aumentando. Vibra com o sorriso brilhante do novo batom recebido de uma empresa famosa. Perguntam por ele. Todos desejam a mesma jovialidade. Clareamento perfeito. Dentes alinhados. “Perfeita.”, alguém escreve.

No trabalho, pausa para o lanche, para o almoço. A saída. O retorno para casa. E a novidade? É hora de dizer. Foi convidada para um jantar no restaurante mais badalado da cidade. Mostra o convite. Novo cardápio do chef. Chega de chofer. O glamour exibido em tempo real. Parece clássica cena de filme. Circula com o seu belíssimo vestido preto. Equilibra-se majestosamente calçada em sandálias de tirinhas finíssimas assim como o salto delas também é. Fotos pipocam nas redes sociais. Um vídeo para compartilhar a felicidade. Mais seguidores.

Observa ao redor e outros convidados também fazem o mesmo que ela. Mesas lotadas. A maioria delas repleta de telefones portáteis conectados ao mundo. Universo compartilhado. As taças tilintando vez ou outra em breve troca de cordialidades entre os presentes. Corações subindo na tela. Mas, por um momento, ela percebe alguns grupos conversando entre si. Ouve fragmentos de histórias em outras mesas. Sorrisos presenciais. Instantaneamente, muda o sabor do vinho que apreciava ao saborear o prato principal. Parece-lhe mais seco. Desconecta-se de tudo. Procura algo que possa lhe trazer conforto. Sente os pés doerem. Mexe na pulseira do relógio e considera os ponteiros trabalharem muito lentamente. Quer sair dali. Alguém pede mais uma garrafa. “O que estarão comemorando?”, ela insiste através do olhar inquiridor. E como o seu desconforto aumenta na medida em que procura conectar-se consigo mesma, opta por voltar para a realidade paliativa. “Vamos lá!”, diz ela. Ajeita o cabelo e faz uma selfie.

Picture of Giseli Barros
Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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