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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Em primeiro plano, pé esquerdo de um bebê, deitado sobre uma cama
Foto: Ryutaro Tsukata/Pexels

Dois quartos. A mesma espera. Em um deles, a tinta cobre a parede branca em um tom de rosa suave. No outro, os quatro cantos se cobrem de azul. Em ambos, um casal respira profundamente a expectativa da nova vida ainda não chegada, mas que já é. Planejamentos futuros. Nas projeções sobre o que será para a frente, brinquedos são comprados e ganhados também. O enxoval é cuidadosamente adquirido, construindo, de algum modo, a identidade da criança tão aguardada.

Nascimento.

Ritos festejados. Em cada uma das casas, cada passo firme participa dos passos titubeantes de quem vê o mundo pela primeira vez. Na porta do quarto, o sonho. Na certidão, a identidade. Identificar entre todos os outros a individualidade. Registro. E quando as mãos se mostram um pouco seguras, o nome é, primeiramente, desenhado em letra bastão; depois, cursiva. Quantas vezes ao dia terá ouvido o mesmo som, na combinação de fonemas, desde o nascimento? Saber de si através do reflexo no espelho. “O outro assim me vê?”, pergunta que se faz.

Classificações. Menino. Menina. Grupos. Seriação. “E quando não se cabe no espelho da parede do quarto?”, questiona a si mesmo. Silêncio. A resposta continua sendo a interrogação. O mundo apresentado é dual. Roupa entregue em tamanho menor. Espreme de todos os modos. Tenta se ajustar ao manequim. “Ficou bom?”, interpela ao duplo na tela de vidro. Mas, recebe a dúvida do outro lado, interrogativa.

Números maiores. O corpo sendo corpo é revelador. O documento não certifica o eu. Na chamada, um número. Momentâneo alívio? “Gosto de quarto amarelo”, diz ao chegar da escola. “Mesmo? Tão bonito como está”, comenta quem escolheu a cor dos planos dos primeiros dias. No entanto, para dissipar a neblina, deixa pintar o sol. “Viu? Ficou muito melhor assim.”, e sorri na busca de entendimento.

Em uma das casas, a cumplicidade dá os passos iniciais. Cara? Coroa? “Eu quero ser eu.”, fala sabendo o enigma revelado. Em acolhimento, caminham na direção da vida. “No mundo, há muitas cores, não é!?”, dizem no abraço. Na outra, as paredes voltam à cor do princípio. Antes do sonho. É preciso tempo. É preciso a vida em curso. Alguém procura fotografias. “Erro de quem?”, necessitam respostas para o mundo dual. Cara. Coroa. “O espelho é o que é.”. “Não.”, é a revelação de quem sabe, intimamente, que a busca está em curso. O olhar de quem aguarda entendimento. E o outro, assim, com os sapatinhos nas mãos, aqueles da memória de quando o mundo estava sob controle, a única certeza sentida é a do amor. Este muito maior que o medo é o novo princípio.

Duas casas.

          O mundo.

                 A vida.

                        Ser.

                         Eu.

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Giseli Barros é professora, mestra em Literatura Brasileira pela UFMG, membro efetivo da ALACIB-Mariana
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