Fim de tarde
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O cenário bucólico ideal para um registro especial. Ao fundo, casarões de estilo barroco, montanhas e o céu em tons de alvorecer. Diversas poses até a escolha do melhor ângulo. Nas redes sociais, dicas de como eternizar o encontro através da fotografia. Tudo planejado com todo cuidado. Realidade criada em sonhos de véspera.
Chega o dia. Prepara-se devagar, na urgência de guardar cada minuto. Estão próximos. Buscam um lugar mais aconchegante para o almoço. Fazem o pedido. Aguardam. Decidem trocar de mesa para ver a cidade pela janela. Está ansiosa para caminhar. Depois de algum tempo, nota a presença de nuvens encobrindo o céu. Alteração repentina e indesejada para o evento. Teme a chuva. Volta às previsões. “Impossível ter escolhido uma data ruim”. Repassa o planejamento. O pensamento fica acelerado. Não ouve o que ele diz. A garrafa está quase vazia. Ele dá de ombros. Ela reajusta o que havia organizado para o passeio e sugere que a próxima garrafa fique para mais tarde.
Enfim, caminham. Não está acostumada com o clima mais frio. O vento incomoda um pouco. Sobem pela rua íngreme, o que ajuda o corpo a se adaptar à sensação térmica. Ela compara sorrisos e abraços. Ensaia um gesto, mas desiste de executá-lo. Vê um café. Gostaria de ir lá. Olha em volta e contempla o entardecer que cria uma atmosfera mais romântica. O coração acelera. Chegam ao local para as fotos. Há uma igreja e, diante dela, uma noiva faz o ensaio matrimonial. O sol parece ser todo dela. A luz está perfeita. De fora da cena, ela não sabe explicar o que sente. Vê as pessoas que passam. Alguém aplaude o casal em destaque. Um pouco distante, outros casais, grupos de amigos que param brevemente. Ela ainda está imóvel com o olhar fixo em direção à igreja.
Recortes.
Quando se conheceram, tudo aconteceu rapidamente. Sonhava, às vezes, com o pedido, mas não queria estragar o que considerava ser perfeito. Além disso, a aliança sempre lhe pareceu sólida. “Por que não fazia o pedido?”, desejava, em silêncio, a resposta ocultada. Agora, travava uma luta consigo mesma para não estragar o fim de tarde. Força uma pausa e leva alguns minutos para controlar a respiração. Não sabe bem o que fazer, e, por isso, segue às pressas para acompanhar os passos dele. “Aqui.”, ela diz. Ele pega o celular dela para tirar a foto. “Pode ficar ali. Eu tiro a foto para você.” Ela sorri e faz uma pose. Não gostou da primeira foto. Quer outra. Pede para repetir. Mais uma vez. Ele começa a ficar um pouco impaciente. Diz que estão todas iguais. Ela insiste. “Pronto. Esta ficou melhor.” Sabia que o sorriso era do ensaio feito em casa. Respira. Chama o companheiro para a foto mais desejada e faz questão de que as mãos estejam unidas, com as alianças visíveis. “Por que o pedido não foi feito?”. Lembrou do primeiro encontro, das mensagens. A primeira noite. Tudo tão rápido. Logo aceitou a participar das resenhas na casa dela. A aprovação da mãe. Era o destino. Sairia um dia de onde nasceu para ganhar o mundo com o seu amor. Tantos planos. Por fim, no cenário de cartão postal, sente a invasão da melancolia. Ao mesmo tempo, acompanha o fim do ensaio fotográfico do casal que sai vibrante, comemorando o futuro entre os casarões barrocos. Também chegou a sonhar com os preparativos que não vieram. Acostumou-se a seguir o companheiro. Ele nem percebe o zoom que ela faz para ver se, de fato, as mãos estão visíveis na foto. Ali mesmo a postagem da foto. Pronto. Ninguém precisaria saber sobre o que lhe inquieta o coração.
Início de noite. Decide voltar para a casa. O carro estacionado na praça. Não desceria a rua para mais um brinde.