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Hoje é sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Envelhecer dói?

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Há algum tempo procuro deixar a vida mais leve. É que não tem sido fácil, nada fácil viver nas redes presenciais e digitais. Ficar mais leve nesse mundo impregnado de múltiplas tarefas, informações, funções, algoritmos, curtidas, violência, ódio destilado em qualquer esquina, é sentir o corpo acumular toneladas de gordura. Dias atrás me falaram que um menino perguntou para uma senhora de cinquenta e poucos anos, se envelhecer dói. Ela convidou o guri para prosear. São vizinhos. Fez uma bela mesa de lanche, com quitandas, frutas, refrigerante, suco, café, chocolate, doce, aveia… O menino sentou-se com os olhos vidrados nos quitutes. Nunca viu tanta fartura. A senhora disse para ele se servir do que desejar. O menino se apressou em comer. Comia bolo, bebia chocolate quente, falava de boca cheia, jogando uns farelos do que mastigava sobre a mesa. A senhora só observava. O menino ria, comia, falava umas frases sem finalizar a conversa. Voltava a comer e, ao mesmo tempo, acessava o celular. Tirava fotos da mesa. Fazia self. Publicava na rede. Mandava áudios para o grupo. Fazia reels, “lanchando na casa da vizinha”. Criava stories com fundo musical e legendas do tipo: “os que os olhos vêm, o estômago sente; amigos de uma vida (eu e ela); quem quer, tirar os olhos?! Quintei na casa da vizinha coroa; altos papos; viramos amigos…” A senhora olhava o menino. Nenhum susto com a atitude dele, que ora marcava presença, conversando de boca cheia, ora se ausentava, tirando fotos e postando na rede. Sorriu. Pensou: a juventude é veloz, intensa na ansiedade de ver o relógio correr; tomar corpo; sair de casa; namorar, transar, paquerar, casar; viajar; estudar, trabalhar… Velocidade em postar o que está fazendo; compartilhar o feed; angariar novos seguidores, ter sucesso; aparecer, existir, mostrar que está vivo; conversar com o espelho da tela; existir para os outros para acreditar, de fato, na própria existência. Poxa, quanta camada de “gordura” na pele para existir! Se eu continuar a relatar o caso, vou para a área da autoajuda. Literatura não é uma espécie de cura? Curar-se das mazelas da vida cotidiana, curar-se da desinformação, curar-se da falta de ideias, curar-se da ausência de alteridade, curar-se do desencantamento, curar-se do obscurantismo intelectual, curar-se da ausência de palavras e assuntos. Então literatura é uma espécie de autocura… O menino lembra da pergunta que originou aquela comilança prazerosa. “Então, dona, envelhecer dói?” A senhora lhe disse: envelhecer não dói. A gente se sente mais leve, que passa a comer menos; a gente anda devagar porque não tem mais pressa; a gente prioriza cada instante; a gente acumula aprendizados e experiências; a gente passa a prestar mais atenção nas pessoas; a gente aprende a pensar mais, e falar menos; a gente aprende a julgar menos; a gente aprende que todos devem respeitar as diferenças de idade e pensamentos; enfim, a pele fica mais frágil é porque a juventude passa para dentro. A pele deixa de ser suporte ou cabide da essência. Cada um deve viver o esplendor de sua idade. A gente aprende, também, que a vida é sopro, instante, desafinamento que afina. A gente aprende que vai, que o corpo vai, e só a alma fica. Alma não tem pele, cabelo, dores, camadas de gordura. Por isso, a gente enruga, os cabelos vão ficando finos, ralos e brancos. A gente aprende no último milésimo de segundo, que a eternidade é minúscula, leve, simples e breve. 

O menino coçou a cabeça. Abriu a boca, deixando cair uns farelos de bolo. Disse: entendi! Por isso eu como muito e ando rápido demais? Tenho pressa. É isto? “Sim, menino, é isto…”

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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