O controlador do burro de carga
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Estes dias senti o gosto amargo, em pleno terceiro milênio, século 21, do discurso punitivo da perseguição. Não é sanção da lei. É punição pelos serviços prestados, sem direito a salário-mínimo, sem direito a fundo de garantia por tempo de serviço, sem direito a pão, café; sem direito a absolutamente nada; nem a um copo d’água, nem se sentar em uma cadeira para dialogar. Punição que contraria artigo de Instrução Normativa municipal. Burra de carga! Trabalho análogo à escravidão! O calor começa a enfraquecer. Para quem pena com a menopausa, o alívio tende a zero! A menopausa é obtusa, confusa, rude mesmo. Não respeita os hormônios que colocam o corpo em pleno funcionamento, tanto físico quanto espiritual. Insônia obtusa! Viro para um lado, viro para o outro. Fogo no rosto! Fogo no corpo! Ligo o ventilador. Rosto vermelho. Perambulo pelos cômodos da casa. Desço e subo as escadas. Jota é o controlador dos meus passos. Um justo controlador. Para quando paro, senta-se quando me sento. Olha para mim com aqueles olhos doces, esbugalhados e compreensivos. Sabe que sofro de lonjuras de mãe. Sabe e sente quando um espírito espevitado ronda a rua. Às vezes, acredito que padece de Orbitopatia de Graves. De estrabismo, tenho certeza. Jota não trabalha, mas têm todos os seus direitos garantidos. Comida, banho, tosa, plano de saúde, cama, cobertor, brinquedos, travesseiro, passeios, amor e respeito. Penso no burro e no controlador. Jota não é burro de carga que trabalha forçado, com jornadas exaustivas e desumanas. “Mas burro não é humano”. Discursou o controlador do burro, que chicoteava o pobre animal que parava para descansar e respirar. E o controlador do burro continua a discursar: “Burro bom? Carga e chicote nele!”. E relinchava feito pseudo-burro. Quem dera tivesse competências para relinchar e trabalhar. Ele queria ser burro, mas ser burro não é para qualquer um. Ter capacidade de carregar os fardos da vida, com resiliência e doses de terapia para aguentar os pesos e às toxicidades dos ambientes, é para burro com garra, força e inteligência emocional! Burro inteligente não é aquele que faz tudo o que o controlador quer. O burro e a mula não são iguais aos cavalos. O cavalo se move com os olhos vendados, morre de fadiga e não respeita seus limites. O burro não se move com os olhos vendados. Ele não arreda as patas do lugar sem ver onde pisa. O controlador do burro, evidentemente, não tem inteligência para ser burro. Silêncio na rodovia. Por aqui, o sol anda sumido. Não lavei roupa. Não esculpi. Não realizei meus inúmeros serviços voluntários. Essas associações sem fins lucrativos e que prestam serviços gratuitos à comunidade tiram responsabilidades de quem deveria dar condições básicas a quem tem direito. É por isto que existimos. O governo não supre as necessidades básicas de todos, com equidade. Duas maritacas pousam na varanda do quarto de escrever. Não é escritório. Nada de escritório, nem de estúdio. Tenho quarto de escrever. Olho para a rodovia. Escuto gritos, risos, lamúrias e o movimento dos automóveis. Da varanda do quarto, acompanho o tempo. Vejo o sol prensado por nuvens. O sol esmaece; as nuvens também. É parceria de mão-dupla. Pausa para o sol descansar. Pausa para as nuvens. Até o tempo tem suas pausas e recompensas. Sombra, luz e saúde para os seres da terra. Ai de nós, se não fossem o sol e as nuvens! Se não fossem as associações sem fins lucrativos, se não fossem os voluntários… Se não fossem os resilientes burros de carga que não podem visar nenhuma recompensa. Ninguém tira o brilho do verdadeiro burro, que já não espera por justiça, respeito e reconhecimento do controlador do burro.
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